BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A presidência da COP30, a conferência de clima da ONU (Organização das Nações Unidas), divulgou nesta quinta-feira (8) sua segunda carta, na qual critica formas atrasadas de combater mudanças climáticas e propõe novos mecanismos. O texto não faz, entretanto, menção explícita aos combustíveis fósseis.
O documento explica como pretende funcionar o mutirão, conceito idealizado pela atual direção da conferência, que deve ter um sistema para compilação de “contribuições autodeterminadas” para iniciativas de combate ao aquecimento global lideradas pelo setor privado ou sociedade civil.
Esta segunda carta, assinada pelo presidente da COP30 e embaixador André Corrêa do Lago, cita o papel das comunidades afrodescendentes no debate climático -o que não constava no primeiro documento e foi criticado por organizações que representam este grupo.
A COP16 de biodiversidade -que aconteceu em Cali, na Colômbia, em 2024- marcou um reconhecimento inédito à contribuição de comunidades afrodescendentes, como quilombolas, na proteção da natureza, como mostrou a Folha de S.Paulo.
A conferência de Belém, capital do Pará, tem como principal objetivo rever as metas do Acordo de Paris, firmado em 2015, sobretudo à luz do fato de que o mundo já atingiu a marca de 1,5ºC de temperatura acima a era pré-industrial -último marco antes de um colapso ambiental.
A edição no Brasil também herdou de sua antecessora, em Baku (Azerbaijão), a missão de destravar o financiamento climático, principal obstáculo das últimas conferências.
A COP30 precisará elaborar um plano para que os países mobilizem US$ 1,3 trilhão anual (R$ 7,5 trilhões) em recursos para enfrentamento das mudanças climáticas.
A primeira carta foi criticada por citar os combustíveis fósseis apenas uma vez. Nesta segunda, porém, não houve nenhuma menção nem a termos correlatos, como petróleo ou gás natural.
A transição para o fim desta exploração foi uma das determinações da COP29. A redução é uma das metas nacionais estabelecidas pelo próprio Brasil.
Segundo o embaixador, o tema vai “aparecer de maneira muito significativa” na próxima carta, que deve ser divulgada nos próximos meses.
“A gente não pode contornar o fato de que os fósseis são responsáveis por 70% das emissões [do mundo]. Todo mundo sabe que os fósseis são o grande tema da negociação de mudança do clima”, afirmou.
“Apesar de não estar explícito, acho que cada um dos círculos [de debate] que estão lá tem o tema de combustível fóssil [implícito]”, completou a CEO da conferência, Ana Toni.
Ilan Zugman, diretor regional da ONG 350.org para a América Latina e Caribe, criticou a falta de detalhes sobre como COP30 pretende implementar “a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis e a transição energética justa”.
“Não podemos pisar em ovos em relação às decisões difíceis”, afirmou.
Esta segunda carta traz mais detalhes sobre como a presidência pretende lidar com mutirões globais contra a emergência climática, algo que surgiu na carta inicial.
Segundo o documento, a ideia é que iniciativas já existentes de combate ao aquecimento global sejam aglutinadas, de forma a inspirar novas iniciativas. Um dos instrumentos será um sistema onde outros entes que não os governos envolvidos formalmente nas negociações da COP possam registrar iniciativas e seus resultados.
Essas métricas serão chamadas de “contribuições autodeterminadas”, um mecanismo paralelo e complementar às NDCs (sigla em inglês para “contribuição nacional determinada”, metas de redução de emissão de gases a que cada país se compromete junto a ONU).
“Em vez de envolver promessas a serem cumpridas no futuro [como são as NDCs], as contribuições para o mutirão devem traduzir-se em iniciativas efetivamente realizadas, ou que estejam em andamento, ou em vias de acontecer”, diz a carta.
Qualquer instituição acadêmica, empresarial, da sociedade civil ou entes subnacionais, por exemplo poderá inserir seu projeto no sistema, explicar o funcionamento e registrar métricas e resultados.
O objetivo, dizem Toni e Lago, é que ações pelo planeta possam ajudar iniciativas em outros pontos do globo.
O plano se insere em um contexto geral, expresso na carta, de crítica à forma como até agora as estratégias de combate ao aquecimento global se ancoram.
“Nossa luta climática pode estar sofrendo da Síndrome da Guerra Passada a tendência de enfrentamento de novas crises com estratégias superadas, que ignoram transformações mais amplas em ciência, tecnologia e realidades políticas, econômicas e sociais”, diz a carta.
O documento afirma que a ideia do mutirão é que a comunidade internacional reveja seus instrumentos de governança atual e avalie se os mecanismos multilaterais estão aptos a combater a mudança climática.
“Deixando para trás antigos modelos burocráticos que comprometem velocidade e escala, os debates na Assembleia Geral das Nações Unidas poderiam explorar abordagens inovadoras de governança para adotar a cooperação internacional de recursos para o rápido compartilhamento de dados, conhecimento e inteligência, bem como para alavancar redes, agregar esforços e articular recursos, processos, mecanismos e atores dentro e fora da ONU”, completa a carta.
Ana Toni afirma que já há consenso de que o que foi realizado até aqui não é suficiente para evitar e combater os eventos climáticos extremos, e que o Acordo de Paris, sozinho, não tem força para mudar este panorama.
Portanto, é necessária a criação de estruturas complementares para integrar aos governos nacionais, membros do acordo, a outros agentes fora do escopo formal da ONU.
“O pensamento dessas negociações até agora foi muito linear. E o que a carta insiste muito é no quanto nós precisamos pensar em sistemas complexos para entender o que a gente pode fazer contra a mudança do clima”, diz André Corrêa do Lago.
“É para ajudar a lembrar a todos que a implementação do Acordo de Paris tem que envolver muito mais atores do que os governos. Os governos não podem se considerar os únicos a terem o controle sobre isso. É uma uma incorporação do clima dentro da lógica de vida das cidades, dos estados, das empresas, etc”, completa.
Finalmente, o documento ressalta a importância dos oceanos e as florestas como única forma efetiva de absorção de gases de efeito estufa.