RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após um ano de estabilidade, a desigualdade de renda medida pelo índice de Gini voltou a cair no Brasil em 2024 e renovou o menor patamar de uma série histórica iniciada em 2012, apontam dados divulgados nesta quinta-feira (8) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

No ano passado, o indicador recuou a 0,506, o que representa uma baixa de 2,3% em relação ao nível de 0,518 registrado em 2023 e 2022. Até então, esse era o menor valor da série.

O Gini mede a concentração de renda. Sua escala varia de 0 (igualdade máxima) a 1 (desigualdade máxima).

Quanto menor o resultado, mais baixa é a disparidade entre os extremos da população. Quanto maior o número, mais alta é a concentração dos ganhos.

“Inegavelmente, o Brasil ainda é um país bastante desigual, mas em 2024 a gente observa uma melhoria da distribuição de renda comparando diferentes indicadores”, afirma Gustavo Geaquinto Fontes, analista da pesquisa do IBGE.

Outro dado divulgado pelo instituto que aponta para a mesma direção é a razão do rendimento médio domiciliar per capita (por pessoa) dos 10% mais ricos da população e dos 40% mais pobres.

Em 2024, os 10% mais ricos recebiam o equivalente a 13,4 vezes a renda dos 40% mais pobres no Brasil -R$ 8.034 e R$ 601, respectivamente. Apesar da “enorme desigualdade”, essa foi a menor razão da série iniciada em 2012, disse o IBGE. O pico ocorreu em 2018 (17,1 vezes), antes da pandemia de Covid-19.

Os dados integram a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua: Rendimento de Todas as Fontes.

O levantamento vai além do mercado de trabalho. Também traz informações sobre recursos obtidos por meio de iniciativas como aposentadorias, programas sociais do governo, pensões e aluguéis.

A maior desigualdade da série medida pelo Gini ocorreu em 2018 (0,545). O índice é calculado a partir do rendimento médio domiciliar per capita.

TRABALHO E PROGRAMAS SOCIAIS EXPLICAM RESULTADO, DIZ IBGE

Segundo Gustavo Geaquinto Fontes, do IBGE, um dos fatores que explicam a queda da disparidade em 2024 é a dinâmica do mercado de trabalho, que beneficiou sobretudo as classes de menor rendimento. Em termos proporcionais, grupos com menor renda tiveram ganhos acima da média, afirmou o técnico.

Sinal disso é que o índice de Gini específico dos rendimentos médios do trabalho caiu para 0,488 no ano passado, após marcar 0,494 em 2023. O valor de 2024 é o segundo menor da série histórica, atrás apenas do verificado em 2022 (0,486).

Gustavo também avaliou que programas sociais ajudaram a diminuir o Gini que considera todas as fontes de renda. A parcela da população que recebeu esses benefícios subiu a 9,2% em 2024 (20,1 milhões), após marcar 8,6% em 2023.

O percentual mais recente (9,2%) é o terceiro maior da série, atrás apenas dos observados em 2020 (13%) e 2021 (9,5%), quando a pandemia forçou o pagamento do auxílio emergencial.

A inserção dos programas sociais é mais forte no Nordeste e no Norte. Os benefícios alcançaram 15,7% e 13,5% da população das regiões em 2024.

Tanto o rendimento médio mensal do trabalho (R$ 3.225) quanto o valor médio recebido de programas sociais (R$ 836) bateram recordes no país, conforme o IBGE. Os benefícios do governo incluem Bolsa Família, BPC e outros.

“O mercado de trabalho beneficiou sobretudo as classes de menor renda. E, no Norte e no Nordeste, a gente sabe que tem efeito importante de programas sociais”, apontou Gustavo.

André Salata, coordenador do laboratório de estudos PUCRS Data Social, também vê impacto do mercado de trabalho aquecido e dos benefícios pagos pelo governo.

Outra questão importante, segundo ele, é a política de valorização do salário mínimo. “Para o Gini cair, muita coisa precisa acontecer, e essa tendência de redução não deve ser menosprezada”, afirma.

Apesar da baixa, o índice brasileiro na faixa de 0,5 ainda sinaliza uma desigualdade extremamente elevada, pondera Salata.

Em outros momentos, países nórdicos, mais igualitários, mostraram indicador perto de 0,25, enquanto nações como os Estados Unidos, com disparidade maior, registraram número acima de 0,4, conforme o pesquisador.

Para Salata, a valorização do salário mínimo e os programas sociais tendem a ajudar novamente em 2025, mas é preciso ver se o mercado de trabalho seguirá aquecido com a projeção de perda de ritmo da economia em meio aos juros altos. “Apostaria numa redução pequena do Gini.”

Em 2024, a renda média média domiciliar per capita foi de R$ 2.020 por mês, considerando todas as fontes. O dado representa um recorde na série. A alta foi de 4,7% ante 2023.

Entre os 5% mais pobres, o valor médio mensal foi de R$ 154 por pessoa, um avanço de 17,6% na comparação com o ano anterior. No outro extremo, da parcela 1% mais rica, o aumento foi de 0,9%, para R$ 21.767.

DADOS MOSTRAM DIFERENÇAS REGIONAIS

Entre as grandes regiões, o Sul registrou novamente o menor índice de Gini em 2024 (0,460), apesar da elevação de 1,3% ante 2023.

Já o Nordeste permaneceu como a região mais desigual no ano passado (0,502), mesmo com a queda de 1,4% frente à divulgação anterior.

Com exceção do Sul, as demais regiões repetiram o comportamento do Brasil e registraram, em 2024, os menores níveis do Gini na série histórica.

A maior redução (-3,3%) ocorreu no Sudeste (0,491). O indicador recuou 2,2% no Centro-Oeste (0,487) e no Norte (0,489).

Quando o recorte considera as unidades da federação, o Distrito Federal (0,547) foi o local mais desigual na distribuição de renda em 2024. Esse posto havia sido ocupado pela Paraíba em 2023.

Por outro lado, Santa Catarina foi o local com a menor desigualdade de renda no país em 2024 (0,431). O Gini do estado, contudo, subiu ante 2023 (0,418), quando também havia sido o mais baixo do Brasil.

Em São Paulo, o índice foi de 0,491 no ano passado, encolhendo frente à pesquisa anterior (0,504).

O IBGE não divulgou comparações do Gini brasileiro com resultados de outros países. Segundo o órgão, antes de fazer essa análise, é importante entender a metodologia de cálculo das outras nações.

No caso do Brasil, o Gini é calculado exclusivamente a partir de uma pesquisa domiciliar, a Pnad Contínua. Há países que utilizam dados administrativos ou que combinam pesquisas domiciliares com dados administrativos, diz o instituto.

A redução da desigualdade é uma das principais bandeiras do governo Lula (PT). Apesar do desempenho positivo do mercado de trabalho e da ampliação de programas sociais, o presidente atravessou período de piora na aprovação na virada de 2024 para 2025. A inflação dos alimentos foi apontada como uma das principais razões para a queda de popularidade.