SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Com a morte do papa Francisco, as finanças da Igreja Católica foram novamente colocadas sob um microscópio e, publicamente, apontam para problemas que o futuro pontífice também terá que manejar.

O QUÃO RICA É A IGREJA CATÓLICA?

É difícil estimar o quanto valem todas as propriedades da Igreja. Isto porque a Cúria Romana tem entre seu patrimônio obras de valor difícil de ser estimado, como as pinturas de Michelangelo dentro da Capela Sistina, os milhares de artefatos expostos nos Museus do Vaticano, imagens históricas em materiais preciosos espalhados pelo mundo e milhares de templos e prédios administrativos.

Apesar disso, a Igreja teve lucro total de 45,9 milhões de euros (R$ 298,25 milhões) em 2023. O dado é do último relatório anual da ASPA (Administração do Patrimônio da Sé Apostólica) divulgado em julho de 2024. 37,9 milhões de euros (R$ 246,26 milhões) teriam sido destinados a financiar o funcionamento da Cúria Romana.

Houve ainda um aumento de ativos de 7,9 milhões de euros (R$ 51,33 milhões). No entanto, estes dados se referem às movimentações apenas do Vaticano.

Isto porque cada diocese tem autonomia financeira e, por isso, responde por sua manutenção e pelas próprias contas. Na prática, apesar de a Igreja ser uma instituição sem fins lucrativos, cada comunidade local arrecada e gasta conforme suas condições e necessidades.

A ASPA ainda gerencia mais de 5.000 imóveis, que produziram um lucro de 35 milhões de euros (R$ 227,42 milhões) em 2023. Mas apenas 19,2% das propriedades da ASPA são alugadas por valores de mercado; outras 10,4% saem a valores subsidiados e 70,4% sem custo algum, de acordo com a missão do papa, segundo o Vaticano. Isso indica que há um potencial de arrecadamento maior, não aproveitado porque não seria o objetivo da Igreja.

Fortuna da Igreja em outros países pode ser muito maior. Uma estimativa do jornal canadense The Globe and Mail, de 2019, apontou que o patrimônio católico no país poderia ter valores que superavam 4,1 bilhões de dólares canadenses (mais de R$ 17 bilhões, na cotação atual). Já a rede australiana ABC estimou em 2018 a riqueza da Igreja por lá em 30 bilhões de dólares australianos (R$ 110,67 bilhões atuais).

Estes números não representam a complexidade ou a dimensão das finanças da Igreja. O jornal canadense considerou em 2013, ano do início do papado de Francisco, que a fortuna católica era impossível de calcular e destacou que, até aquele momento, a instituição já havia pagado US$ 2 bilhões (R$ 7,4 bilhões, sem correção monetária) apenas nos EUA em acordos indenizatórios às vítimas de abuso sexual por parte de membros do clero.

A IGREJA ESTÁ EM CRISE?

A Cúria passa por tempos difíceis. É difícil dizer que uma instituição tão rica quanto a Igreja Católica possa estar, de fato, quebrada, justamente pelo vasto portifólio de bens. No entanto, sua administração já viu dias melhores. Mesmo do hospital, durante sua internação em fevereiro, o papa Francisco divulgou a formação de uma comissão para levantar doações para lidar com problemas orçamentários, o que foi visto por alguns como uma afronta aos seus críticos em Roma.

Buraco no orçamento teria alcançado 83 milhões de euros (R$ 538,61 milhões), segundo a Reuters. Por isso, o papa teria adotado medidas que desagradaram a algumas lideranças nos últimos anos, justamente para conter gastos, de acordo com a revista americana Fortune.

Francisco teria cortado salários de cardeais três vezes desde 2021. Ele também acabou com os subsídios para acomodações de luxo para funcionários de alto escalão e estabeleceu, em setembro, um plano para atingir o “déficit zero” no futuro próximo.

As doações estão estáveis, com uma média de 45 milhões de euros na última década. Mas eles seriam insuficientes para lidar com os gastos do Vaticano, aponta Jamil Chade, colunista do UOL.

A pandemia da covid-19 também teria aumentado os gastos da Cúria. Isto porque o Vaticano perdeu receita turística, especialmente com o fechamento dos museus. Com os cortes profundos do governo Trump a projetos de instituições católicas pelo mundo, a Santa Sé veio ao socorro destas entidades.

Francisco também teve que lidar com um escândalo de corrupção na Igreja em 2020, quando o cardeal Angelo Becciu (então “número 3” do Vaticano) foi acusado de desvio de dinheiro. Em 2014, o Vaticano gastou mais de 200 milhões de euros (R$ 1,29 bilhão) em uma participação de um edifício de um antigo armazém da loja de departamento Harrods em Londres, que seria convertido em apartamentos de luxo. Em 2018, segundo uma investigação da BBC News, a Secretaria de Estado do Vaticano comprou o restante da propriedade por 150 milhões de euros (R$ 969 milhões). O negócio foi assinado por Becciu.

Parte do dinheiro usado era destinada a obras de caridade. Mas ele foi pago a um fundo britânico gerido pelo financista italiano Raffaele Mincione, que intermediou a compra. Quando a Secretaria procurou posteriormente a ajuda financeira do banco do Vaticano, as movimentações levantaram suspeitas que levaram a acusações contra Becciu, Mincione e outros oito envolvidos na compra.

O cardeal também foi acusado de desviar grandes quantias para a sua diocese natal, na Sardenha. Um dos beneficiários de 125 mil euros (R$ 807,5 mil), segundo a Catholic News Agency, teria sido uma organização beneficente administrada pelo seu irmão. Há ainda uma acusação de que ele pagou cerca de 600 mil euros (R$ 3,87 milhões) a outra investigada, Cecilia Marogna, para auxiliar no processo de libertação de uma freira sequestrada em Mali.

Os desvios financeiros foram julgados por tribunais no Vaticano e no Reino Unido e ambos condenaram Becciu. O tribunal da Igreja o impôs, em 2023, uma pena de cinco anos e meio de prisão por desvios de verbas públicas, corrupção e lavagem de dinheiro, mas ele segue em liberdade porque ainda recorre da decisão. De acordo com a sentença, ele também foi permanentemente barrado de ocupar cargos públicos e deve pagar uma multa de 8.000 euros (R$ 51,7 mil).