SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pouco mais de 20 quilômetros, percorridos em cerca de uma hora de viagem de van, separam as famílias de Francisca Antonia de Lima, 42, e de Angelo da Silva Batista, 26, de seus novos endereços. Ambos deixaram a favela do Moinho, no centro de São Paulo, onde moravam, por um prédio na Cidade Líder, na zona leste.

São os primeiros moradores da favela, que o governo pretende esvaziar, a serem transportados pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) para endereços definitivos. Os pertences das famílias foram transportados em um caminhão da empresa e chegaram pouco mais de uma hora depois.

O prédio de térreo e três andares tem quatro apartamentos por andar, com dois quartos, e de 30 a 43 metros quadrados. No último andar, ficam duas coberturas. Não há elevador. O projeto é da Vier Construtora e Incorporadora.

A empresa pública ficou com quatro unidades do prédio e pode ficar com ainda mais uma. O valor pago por cada uma delas é de R$ 210 mil. Com o subsídio, a prestação para os moradores sairá por um valor de R$ 300 a R$ 350 (para ficar no limite de 20% da renda das famílias). O valor sem o subsídio seria de R$ 815.

Segundo José Ferreira da Silva, 66, síndico e representante da construtora do prédio, o condomínio sairá por R$ 180, com mais R$ 10 de fundo de reserva. Água, luz, gás e internet são cobrados separadamente. No mercado, as unidades compradas pela CDHU saem por R$ 235 mil.

“Mas o valor da avaliação da Caixa para financiamento é de R$ 245 mil”, diz Silva.

A construção foi concluída em dezembro e, antes da entrada das famílias do Moinho, outras quatro unidades já haviam sido compradas. A CDHU adquiriu as unidades por um chamamento público, em que as construtoras apresentavam suas opções de habitação social com dois quartos. No total, o chamamento buscava 5.800 unidades.

Na despedida da favela, Francisca e duas filhas oscilavam entre o sorriso e as lágrimas. Enquanto a mãe se despedia aos abraços das vizinhas, uma das crianças lamentava não ter conseguido se despedir de uma amiga que estava na escola.

Uma equipe da CDHU registrava a mudança, o que deixou Francisca sem graça.

Ela conta que já pretendia sair do centro. Antes de morar por cinco anos no Moinho, ela também passou sete anos na Ocupação Mauá, na Luz. “Eu queria criar minhas filhas longe do centro. É muito problema com droga, e as crianças perguntam muito, querem saber o que as pessoas estão fazendo, por que ficam daquele jeito.”

A preocupação tem seu motivo. A filha mais velha de Francisca, hoje com 24 anos, foi usuária de drogas durante três anos e meio. “Hoje, ela está recuperada, é casada e mãe de uma filha”, diz. Também de saída do Moinho, a filha mais velha de Francisca vai morar no Brás.

Atualmente, Francisca, que trabalha como auxiliar de limpeza em um sindicato no centro, está em férias. “Quando a vida estabilizar por aqui, eu pretendo conseguir um emprego mais próximo”, afirma. Ela deve cuidar das matrículas das filhas em escolas na região nos próximos dias.

Pai de gêmeos de oito anos, Angelo foi mais rápido para resolver a escola dos filhos. “Eles já estão matriculados e poderiam ir hoje mesmo, mas estou achando melhor começarem amanhã, para organizarmos a mudança”, diz.

Angelo é beneficiário do Bolsa Família e faz bicos como entregador para aplicativos. “Estou terminando o ensino médio e pretendo fazer a faculdade de análise de sistemas por ensino a distância”, conta.

Com os filhos e dois gatos, o entregador morava em uma construção em madeira. “O barraco já estava bem velho, devia ter mais de dez anos de uso.” O maior temor dele era com os escorpiões. “Nunca picaram nenhum de nós, mas já encontrei algumas vezes dentro de casa”.

Ele morava havia 19 anos no Moinho. “Minha mãe saiu em um dos incêndios e foi morar na região da ponte dos Remédios. Eu não consegui porque já morava sozinho, mas ainda era menor de idade”, conta.

Angelo, que é um homem trans, cria os filhos sozinhos desde o nascimento. “O outro pai foi embora assim que disse que tinha engravidado. Não fui atrás e os meninos estão registrados só em meu nome”, explica. Ele conta que iniciou a transição logo depois de os meninos nascerem.