SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma linha vermelha neon serpenteia pelas paredes como o fluxo de rio e seus afluentes ou uma ferida aberta que insiste em não cicatrizar.
“Floresta Amazônica”, de 2017, obra do artista camaronense Pascale Marthine Tayou, de 58 anos, transforma a entrada do espaço expositivo da galeria A Gentil Carioca, no centro de São Paulo, em um campo de tensão, onde estruturas que lembram arames farpados e marcas riscadas na parede como a contagem de dias em uma cela evocam confinamento e violência.
Pela primeira vez com uma mostra individual em São Paulo e em exposição até este sábado (10), em “Brazilism”, Pascale tensiona a relação entre natureza, violência, raça e poder e suas intersecções entre Brasil e Camarões, país africano onde nasceu.
Nascido em Yaoundé, Camarões, Tayou construiu uma carreira longe das instituições tradicionais. Autodidata, ele diz que sua entrada na arte não foi uma escolha estética, mas uma necessidade diante das dificuldades que enfrentou desde a infância.
“Cresci no caos bem organizado da má governança do meu país. Minha juventude foi massacrada, violada. Meus pais lutaram para me oferecer uma esperança, e o fracasso deles construiu minha revolta contra um sistema”, diz.
Com obras que combinam materiais inusitados de objetos do cotidiano a elementos orgânicos Tayou é conhecido por criações que desafiam os limites formais e conceituais, como em “Rede de Pesca”, obra em que constrói uma rede tecida por canudos coloridos presos na parede por pregos com as cabeças também coloridas, produzindo um emaranhado de linhas e cores.
Mas ele recusa a ideia de “inspiração” ou “acaso”. “O acaso não existe. Eu me descubro na ação. Tudo o que me cai nas mãos é ferramenta. Me dê sua unha, devolvo como um braço”, afirma.
Os trabalhos expostos na galeria A Gentil Carioca foram feitos especialmente para a exposição, misturando obras mais antigas de sua outra vinda para o Brasil, em 2017, com a maioria desenvolvida em 2025. À exceção de bordados feitos por suas mãos, os trabalhos de 2025 foram projetados pelo artista e enviados para execução no Brasil pela própria galeria.
Apesar de ser frequentemente associado a temas como identidade, globalização e pós-colonialismo, o artista não se vê preso a esses rótulos. “Uso essas palavras em conversas sociais para parecer sério. Mas venho me afastando dos discursos vazios.
A verdadeira resistência está em cultivar meu jardim e fazer brotar boas sementes também no jardim do vizinho, porque a identidade plural impedirá a neocolonização diante do fracasso da globalização”.
Pascale Marthine Tayou é hoje um dos nomes mais provocadores da arte africana contemporânea. Já expôs em Veneza, Berlim, São Paulo e em importantes instituições europeias. Mas continua desconfiado dos rótulos.
“Não exploro apenas a poesia das formas e não pretendo apenas oferecer uma estética à contemplação do mundo que me observa. Meu percurso criativo é consequência dos meus sonhos fracassados. Detesto refletir quando a urgência me chama.”
PASCALE MARTHINE TAYOU: BRAZILISM
– Quando Até dia 10 de maio
– Onde A Gentil Carioca – Travessa Dona Paula, 108, São Paulo
– Classificação Não indicada