SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Evangélico, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) tem se dedicado a ler sobre a fé católica. No Instagram, ele indicou ao público duas recentes descobertas literárias: a biografia de São Josemaría Escrivá, o fundador da Opus Dei, e “Um Olhar Que Cura: Terapia das Doenças Espirituais”, escrito pelo Padre Paulo Ricardo, que tem 6 milhões de seguidores nas redes. As postagens fizeram tanto sucesso que o Centro Dom Bosco convidou o deputado, em janeiro, para conversar sobre catolicismo.
Em comum, a Opus Dei, o Centro Dom Bosco e o Padre Paulo Ricardo, com atuação semelhante à de Frei Gilson, têm uma visão tradicionalista da religião católica. Com as suas publicações, Nikolas acenou para setores da Igreja em que o bolsonarismo, afirmam pesquisadores, tornou-se a principal força política, a despeito do pensamento do papa Francisco, morto há duas semanas.
Nesse sentido, a escolha do novo sumo pontífice não deve impactar, segundo especialistas, o bolsonarismo crescente entre os católicos e o resultado das eleições de 2026.
“Bolsonaristas como Nikolas entenderam que não perderão o voto dos evangélicos. Eles precisam conquistar também os católicos”, afirma Rodrigo Toniol, professor de antropologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
A ascensão do bolsonarismo na Igreja, diz Toniol, pôde ser constatada pela reação de setores da comunidade católica brasileira aos posicionamentos progressistas de Francisco, entre os quais a acolhida de pessoas LGBTQIA+ e a defesa do desenvolvimento sustentável.
O pesquisador pondera que a tendência ao reacionarismo sempre existiu entre os católicos, bem como as apropriações políticas da imagem do sumo pontífice. Afirma que os grupos afeitos às ideias do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) viam um militante de esquerda no papa Francisco, ao mesmo tempo que os movimentos progressistas tentavam explorar politicamente a sua autoridade. Toniol lembra, porém, que Francisco, sob o aspecto eclesiástico, não promoveu reformas nas doutrinas da Igreja.
Em geral, os católicos dividem-se em três grupos, que se definem por visões distintas em relação ao Concílio Vaticano 2º, convocado, nos anos 1960, pelo papa João 23 para atualizar as diretrizes da cúria. Progressistas aceitam o Concílio; conservadores também, mas desejam preservar certos valores. Já os tradicionalistas rejeitam-no. Coordenador do Núcleo de Fé e Cultura da PUC-SP, Francisco Borba Ribeiro Neto diz que o bolsonarismo captou uma tendência comportamental dos cristãos, surgida nos anos 1990.
A época, lembra o especialista, era de transformações no país, com a modernização da economia e a sociedade, concentrando-se em áreas urbanas. Em termos religiosos, esse contexto abalava a fé das pessoas mais pobres, que se voltaram aos fundamentos do catolicismo.
Em paralelo, setores da Igreja mais ligados à esquerda, conta Neto, entraram em declínio, em especial a Teologia da Libertação, fundo ideológico de organizações católicas que lutaram contra a ditadura, como a Ação Católica Operária e as Comunidades Eclesiais de Base. Desde então, o contexto social passaria por mudanças mais profundas.
Afinal, em sete anos, o país terá maioria evangélica, de acordo com projeção do demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, pesquisador aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE.
“O voto católico ainda tem peso, mas não é quantitativo”, afirma Borba. “O que tem peso é a palavra católica.”
Em contraste com os evangélicos, a própria definição de voto católico é imprecisa. No país com mais católicos no mundo, essa religiosidade é para lá de democrática, podendo ser reivindicada por pessoas que foram batizadas, mas nunca mais pisaram em uma igreja.
“O destino do voto católico será decidido caso o atual governo consiga dar respostas para três temas: corrupção, transparência e apoio à família”, diz Borba.
Em 2022, as pesquisas Datafolha feitas antes da eleição mostravam que Lula (PT) tinha maioria entre os católicos. Em abril, o Datafolha apontou que 53% desse segmento social aprovavam Lula, ante 44% que reprovavam.
Coordenador da pós-graduação em ciência da religião da PUC-Minas, Rodrigo Coppe Caldeira reforça ser difícil definir o voto católico e aposta numa guinada à direita do catolicismo nas eleições de 2026. “Os fiéis estão indo para a direita”, diz Caldeira. “A parcela bolsonarista da Igreja está fazendo mais barulho.”
O especialista diz que o tradicionalismo, identificado com as pautas do ex-presidente, está difundido em diversas correntes católicas.
A principal delas é a Renovação Carismática, movimento que surgiu nos Estados Unidos, nos anos 1960, e logo ganhou adeptos por aqui. Uma das distinções do movimento é o pentecostalismo que, em termos práticos, se traduz numa experiência mais emotiva da liturgia, com cânticos, danças e lágrimas. Entre os grupos tradicionalistas, destacam-se a Fraternidade Sacerdotal São Pio 10º e a Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney.
No Senado, a Frente Parlamentar Católica representa os religiosos que se identificam com as propostas de direita. Nesse cenário, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) se insere em uma Igreja rachada, criticando capitalistas e marxistas, diz o vaticanista Filipe Domingues.
Ele também afirma que a escolha do próximo papa não deve influenciar a política brasileira, embora reconheça o declínio da esquerda na Igreja. “Na ditadura, a religião abarcou os movimentos sociais, mas na democracia não há mais necessidade disso”, diz Domingues. “Muitas pessoas que estavam na Igreja saíram dela.”