OSAKA, JAPÃO (FOLHAPRESS) – A mudança do projeto arquitetônico e da curadoria do pavilhão brasileiro na Expo, em Osaka, no Japão, criou um debate artístico e um imbróglio de R$ 2 milhões entre a ApexBrasil -a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, responsável pela participação do país no evento- e o escritório paulistano MK27, do arquiteto Marcio Kogan.
Em 2022, a empresa venceu o concurso com uma proposta de Kogan e do diretor artístico Marcello Dantas, descartado no final do ano seguinte. Pessoas que acompanharam os trâmites da mudança no pavilhão afirmam que o MK27 está pleiteando o ressarcimento de R$ 2 milhões da Apex, um montante usado entre abril e outubro de 2023 para contratar empresas japonesas e dar início ao projeto.
Sem especificar valores, a Apex diz que, quando a obra foi licitada no Japão, “o preço orçado ficou exorbitante” e a equipe técnica detectou o risco de que o pavilhão não pudesse ser concluído a tempo. Dantas e Kogan afirmam que a obra estava dentro dos R$ 25 milhões estabelecidos no concurso e com construtora já licitada.
A Apex, então, cancelou o contrato com o MK27 e seguiu um plano B -reduzir o pavilhão de tipo “A”, com cerca de 3.200 metros quadrados, para um espaço menor de tipo “X”, com cerca de mil metros quadrados, e passar a curadoria para Bia Lessa.
Em 2022, o concurso teve um júri com nomes como a arquiteta Sylvia Ficher, da Universidade de Brasília, e o diplomata André Corrêa do Lago, crítico de arquitetura, escolhido como presidente da COP-30 e embaixador do Brasil na Índia à época. Não houve um novo concurso para a escolha de Lessa. Questionada, a Apex não se manifestou sobre essa decisão.
Com o cancelamento, o MK27 teria passado a reivindicar o ressarcimento de investimentos feitos até o momento. A Apex diz que, ao decidir modificar o projeto, ofereceu à equipe de Kogan e Dantas a oportunidade de seguir trabalhando no pavilhão, mas eles não teriam aceitado. Sobre o ressarcimento, a agência afirma que “fez todos os devidos pagamentos referentes aos serviços já executados”.
A reportagem apurou que o escritório notificou a Apex extrajudicialmente e estuda levar o caso para a Justiça.
O projeto inicial previa um pavilhão com arquitetura inspirada na Amazônia e no fenômeno dos “rios voadores” -partindo de estudos do cientista ambiental Antonio Nobre. Elogiada pela crítica especializada, a ideia conquistou o prêmio de melhor edifício cultural junto ao prestigiado World Architecture Festival.
“Fomos o terceiro país a obter as aprovações do projeto junto à Prefeitura de Osaka e à organização da Expo. Estava tudo certo e dentro do cronograma”, afirma Kogan. “Houve uma dificuldade para encontrar construtoras disponíveis, mas a embaixada do Brasil em Tóquio nos ajudou e isso logo foi resolvido. Em decisão unilateral da Apex, então, o contrato foi cancelado.”
A tradicional exposição mundial, que reúne 160 países nesta edição, segue até outubro, com o tema “Desenhando a Sociedade do Futuro para as Nossas Vidas”.
“O Brasil perdeu a chance de se recolocar à frente de um debate de suma importância para o planeta”, diz Dantas. “Além desse alerta para o mundo ter sido preterido, também é triste ver o desprezo ao valor da arquitetura”, afirma Kogan.
Com o exterior em concreto e vidro, em formato retangular, o pavilhão do Brasil apresenta no seu interior uma floresta de infláveis, com formatos de plantas e de pessoas. A inspiração foi o livro “A Queda do Céu”, do xamã yanomami Davi Kopenawa.
Sobre as críticas arquitetônicas, Bia Lessa afirma ter se inspirado em Paulo Mendes da Rocha -que concebeu o pavilhão do país na Expo de 1970, também em Osaka- e acrescenta que o debate ambiental não foi descartado. “É legítimo clamarem por uma arquitetura mais ousada, mas optamos por outro caminho.”
Segundo ela, alguns países gastaram fortunas em prédios suntuosos apenas para se exaltarem. “Nosso pavilhão é um convite para todos os países refletirem sobre a necessidade de transformar o mundo. Para isso, era necessário um pavilhão mais simples, sem desperdícios, com material fuleiro”, diz. Houve inclusive um pequeno incêndio no pavilhão, poucos dias antes da abertura, provocado por um acidente num motor, que danificou parte do material do teto.
Uma das soluções para driblar a proposta mais modesta foi a criação do “Parangoromo” -traje que funde o “Parangolé”, de Hélio Oiticica, ao “hagoromo”, uma vestimenta japonesa-, que tem sido distribuído para mil visitantes por dia. A Apex não informou quanto foi gasto no pavilhão.
Aberto para o público em 14 de abril, o pavilhão brasileiro chegou nesta segunda-feira (5) à marca de 150 mil visitantes, mas a repercussão entre a crítica especializada em arquitetura não tem sido positiva. O Brasil não está nos principais rankings de veículos como os do ArchDaily, The Architect’s Newspaper ou Dezeen, que destacam os edifícios do Japão, Itália, França e China.
O The New York Times pôs o Brasil no 13º lugar de seu ranking de 25 atrações recomendadas na Expo, destacando que “o pavilhão não é apenas uma exposição, mas um chamado à ação por um futuro mais sustentável”. Já o renomado artista japonês Yoichi Ochiai afirmou, no X, o antigo Twitter, que o projeto é o melhor de toda a Expo.
Um funcionário de uma instituição ligada ao governo brasileiro, ouvido pela reportagem em condição de anonimato, afirmou que o desenho do pavilhão perdia pontos em comparação com projetos de países como Uzbequistão e Filipinas, além de considerar que as instalações seriam mais adequadas numa bienal de arte.