BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O projeto de lei que altera as leis que tratam de concessões e PPPs (Parcerias-Público Privadas) prevê o compartilhamento dos riscos destes empreendimentos, flexibiliza restrições para contratação e troca de sociedade, mexe em garantias e permite que estados e municípios peguem carona em modelos adotados por outros entes, evitando nova licitação para conceder serviços públicos.
A expectativa é que projeto, relatado pelo deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), seja votado nesta terça-feira (6). “Estou trabalhando para votar [nesta terça]”, afirmou.
O texto ainda deve passar por pequenos ajustes, segundo ele, por pedidos do governo e de representantes de diferentes setores. Uma dessas alterações é a eliminação do prazo para contratos repactuados.
A proposta determina que os contratos de concessão possam ter a responsabilidade compartilhada entre a entidade privada e o poder público sobre os riscos do empreendimento.
Pela redação, é dada a possibilidade que, caso determinado empreendimento acabe não tendo a demanda prevista inicialmente, o contrato possa ser revisto -por exemplo, se um aeroporto, após concedido, acaba com menor fluxo de passageiros do que o projetado inicialmente.
O projeto também abre espaço para que os acordos seja revisados em caso de alterações da realidade causadas por eventos climáticos extremos -como as enchentes do Rio Grande do Sul- e quais outros requisitos para que o pedido de reequilíbrio financeiro seja feito.
“O pedido de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro deverá identificar precisamente o evento causador do desequilíbrio e estar fundamentado e acompanhado de todos os documentos necessários à demonstração do pleito”, diz o projeto.
Pelo relatório de Arnaldo Jardim, as concessionárias terão de prever, desde o acordo, um prazo de resposta para o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro nos casos em que a empresa prestadora enfrente problemas.
A proposta traz ainda uma série de alterações legais que prometem facilitar a concessão de serviços à iniciativa privada. Uma dessas novas regras prevê facilitar a transferência do detentor da concessão e permite a criação de benefícios fiscais para que uma empresa possa se reestabelecer.
Essas mudanças afetam sobretudo empreendimentos que enfrentem problemas, como o não atendimento do serviço público contratado ou dificuldades econômicas da companhia vencedora da concessão.
Atualmente, uma transferência de controle societário só pode acontecer caso a nova empresa aceite todas as cláusulas do contrato em questão e atenda “às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal”.
Pela nova redação, o poder público passa a poder “alterar a forma e o prazo de cumprimento de penalidades” contra a concessionária ou “conferir prazo adicional para adimplemento integral das obrigações contratuais pela pretendente”.
O relatório de Arnaldo Jardim teve como ponto de partida um parecer feito em 2019 em uma comissão especial que discutia a modernização da legislação sobre a concessão de serviços públicos e PPPs. Desde então, porém, outras alterações legislativas já entraram em vigor, como a lei de 2021 que mexeu em licitações e contratos, e a de 2024, que criou as debêntures de infraestrutura.
O texto apresentado pelo relator no fim de abril tem 30 páginas e, segundo ele, coloca em lei práticas já adotadas pelos entes e reguladores, mas que correm sob insegurança jurídica.
A percepção de que o texto formaliza práticas adotadas pelo mercado é confirmada por advogados e consultores ouvidos pela reportagem.
O relatório que será colocado em votação também propõe fechar lacunas que impediriam o avanço do modelo de PPPs no Brasil, como é o caso das garantias.
Na PPP, a empresa que ganha o contrato é responsável por investimento, operação e gestão do projeto. Em contrapartida, é remunerada pelo poder público, que em geral dá como garantia fundos especiais, contas reserva ou seguro-garantia.
Para os investidores, os mecanismos de garantia ainda são frágeis, pois ficariam sujeitos a decisões políticas. A advogada Ivana Cota, da área de contratos, infraestrutura e regulatório do Ciari Moreira, diz que a ausência de previsão em lei federal fazia com que muitos operadores rejeitassem projetos com essa modelagem.
O relatório de Jardim prevê que os entes públicos podem ofertar como garantia os recursos de fundos especiais para PPPs das áreas relacionadas.
Assim, uma PPP de saúde poderá ser garantida pelo FNS (Fundo Nacional de Saúde), uma de educação, pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica).
A relação de fundos inclui ainda o Funpen (Fundo Penitenciário Nacional) Funapol (Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-fim da Polícia Federal) e FNDR (Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional).
Existem, porém, pontos de preocupação. Um deles trata da atualização dos estudos que basearam a parceria quando a assinatura do contrato ocorrer mais de dois anos depois da publicação do edital.
O problema, segundo o advogado Fernando Gallacci, sócio da área de infraestrutura, regulatório e negócios governamentais do Souza Okawa, é que a versão atual do relatório não detalha como deverá ser feita essa atualização, se é apenas para a programação de orçamento ou se o contrato também será atualizado.
“Defasagem de dois anos, com a inflação no Brasil, é fogo. E se eu descobrir pelos estudos atualizados que não vale mais a pena contratar uma PPP, vou fazer o que, jogar água no projeto?”, questiona o advogado.
Há ainda a criação da chamada concessão por adesão, que prevê uma espécie de carona na licitação de um ente por outro, desde que as condições do contrato sejam similares e que um estudo demonstre a vantagem do uso do modelo.
Seria o caso, por exemplo, de um município que fez a concessão de seus serviços de água e esgoto a partir de uma licitação. O contrato com esse concessionário começa a correr, o serviço vai bem e outros municípios vizinhos podem aderir ao mesmo contrato.
O modelo é visto com ressalvas no mercado, seja pela dificuldade de aplicação, seja pelo aspecto de burla à legislação ao evitar a realização de uma licitação para conceder um serviço público.
Arnaldo Jardim diz não considerar que o dispositivo burle a Constituição (que exige a licitação), pois há o processo licitatório original. A modelagem, segundo o relator, buscou criar condições de municípios menores, que não têm corpo técnico para montar processos licitatórios complexos, consigam se valer dos processos de vizinhos.
Finalmente, o texto ainda tem uma brecha para que a exploração de receitas alternativas às concessões não sejam contabilizadas pelo contrato.
Receitas alternativas são projetos conexos à concessão e que podem ser incorporados a ela.
Críticos da proposta afirmam que o relatório determina apenas que o contrato se estas receitas extras serão ou não contabilizadas, ou seja, não obriga essa incorporação, o que permite que uma empresa passe a usufruir (e lucrar) com atividades adicionais livremente.