RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Na sexta-feira, 11 de abril, um mapa que mostra a atuação de facções criminosas no Rio de Janeiro registrou a troca da sigla M (Milícia) por TCP (Terceiro Comando Puro) em Bangu, zona oeste. Segundo o criador do mapa, “a milícia do Catiri vendeu parte do território para o TCP”.

A informação veio de fotos enviadas por moradores e foi confirmada horas depois por policiais, após ser compartilhada no grupo de Telegram “Pega a Visão RJ”.

Nem só os moradores abastecem o canal: há também imagens de traficantes comemorando invasões, tiradas pelos próprios criminosos. Não é possível saber se são eles mesmos que enviam, já que o anonimato é garantido.

O criador do mapa conversou com a reportagem pelo Telegram, aplicativo que destrói as mensagens após serem enviadas, e pediu anonimato.

A ferramenta não-oficial funciona como uma um tipo de extensão do Google Maps, sendo útil para motoristas de aplicativo.

Um taxista e um mototaxista relataram à reportagem que usam o guia há cerca de dois meses, para evitar áreas onde a entrada é proibida -já que criminosos lucram com o transporte próprio dentro dessas regiões.

Há também pedidos de acesso de policiais, segundo o criador. A reportagem confirmou com agentes das polícias civil e militar que a ferramenta é utilizada informalmente, mas que pode haver inconsistências.

O mapa chama atenção pela quantidade de territórios sob influência do crime organizado e reflete dados de pesquisas.

Um estudo de abril de 2024, realizado pelo Geni/UFF e pelo Instituto Fogo Cruzado, mostrou que, em 2023, o Comando Vermelho foi a única facção criminosa a expandir sua atuação na região metropolitana do Rio de Janeiro, crescendo 8,4% e passando a controlar 51,9% das áreas dominadas por grupos criminosos.

As milícias, por outro lado, perderam território -com redução de 19,3%- e atualmente controlam 38,9% dessas áreas. O estudo também indicou que o Comando Vermelho passou a dominar 242 km² -seu maior território desde o início do levantamento, em 2008-, superando, pela primeira vez desde 2020, a área das milícias, que caiu para 181 km².

Como resposta à expansão, a Polícia Civil lançou, em março deste ano, a primeira fase da “Operação Contenção”. Segundo a corporação, trata-se de “uma ofensiva estratégica para conter e atacar o avanço territorial da facção criminosa Comando Vermelho na zona oeste da capital”.

Na quinta-feira (10), dentro da Operação Contenção, a polícia solicitou o bloqueio de aproximadamente R$ 6 bilhões que seriam do Comando Vermelho e do PCC. O secretário de Polícia Civil, Felipe Curi, afirmou que “foi a maior investigação da história” da corporação.

O criador diz que a ideia do mapeamento surgiu no fim de 2023, motivada por um caso pessoal.

“Na época, muitos trabalhadores estavam desaparecendo na região de Cordovil e Brás de Pina, onde o Complexo de Israel, dominado por Álvaro Malaquias, o Peixão, expandia seu território. Um amigo meu, entregador, entrou na área sem saber que ela estava ocupada e foi morto. Até hoje, o corpo dele não foi encontrado”, relatou.

Os casos de desaparecimento no Complexo de Israel são investigados pela Polícia Civil e acompanhados pela CDDHC (Comissão de Defesa de Direitos Humanos e Cidadania da Alerj). Já Peixão, continua foragido e é investigado por terrorismo.

A base de dados do mapa também é alimentada pelo acompanhamento de páginas criminais e perfis jornalísticos especializados em segurança pública no estado. “Conheço muitas comunidades pessoalmente. Esse conhecimento ajuda a manter o mapa atualizado e o mais preciso possível”, disse.

Inicialmente gratuito, o projeto passou a sofrer uso indevido de seu conteúdo, segundo o administrador. Agora, o acesso ao mapa custa R$ 10.

“Alguns jornalistas e influenciadores começaram a usar o mapa para ganhar engajamento e até dinheiro, sem dar os devidos créditos. Isso me fez restringir o acesso. Nosso foco nunca foi monetizar, mas proteger trabalhadores.”

Ainda segundo o criador, o mapa funciona como uma ferramenta de prevenção, e não como substituto de rotas oficiais ou protocolos de segurança.

“A cidade está em guerra há décadas. A gente só tenta diminuir as tragédias que acontecem por falta de informação”, afirmou.

De acordo com o Instituto Fogo Cruzado, em 2024, pelo menos 16 pessoas foram baleadas ao entrarem por engano em favelas do Rio -o maior número desde 2016.

Em 2025, já foram registrados novos casos. Um deles foi o de um homem de 80 anos, de São José dos Campos (SP), que entrou por engano no Complexo de Israel, na zona norte do Rio. Em fevereiro, seu carro foi atingido por tiros de fuzil. Ele foi ferido de raspão na perna, teve a blusa rasgada por supostos traficantes e foi agredido com tapas.