RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Sentado em uma cadeira no interior do Cipop-Rua/RJ, centro de atendimento a pessoas em situação de rua instalado no antigo restaurante popular da Central do Brasil, no Centro do Rio de Janeiro, Givaldo Borges Junior guardava com cuidado em um saco plástico os documentos recém-conquistados. Junto deles, estava a carta de encaminhamento para uma entrevista de emprego como servente de obras.

“Eu sei que é só uma entrevista, mas isso aqui para mim é uma guinada de 1.000 graus. Com esse papel, eu volto a ser cidadão”, disse à Folha no mesmo dia em que completava 55 anos. Dias depois, contatou novamente a reportagem para contar que conseguiu a vaga, em uma empresa da zona sul da cidade.

Usuário de drogas desde a adolescência, Givaldo viveu os últimos 30 anos pelas ruas do centro do Rio. Perdeu os documentos, o vínculo com a família, a autoestima. “A pessoa quando está desorientada não quer saber de nada. Só quer preencher o vazio com droga, álcool, prostituição. A gente não quer saber nem de família, quanto mais de documento.”

Foi numa recente passagem por um abrigo que ouviu falar do Cipop. Lá, deu entrada em uma nova identidade, tirou título de eleitor, regularizou a situação militar, entrou com pedido de Bolsa Família e, mais recentemente, pegou uma calça no setor de doações para ir à entrevista de emprego que conseguiu agendar no local.

A história de Givaldo é uma entre as milhares que passaram pela unidade desde a inauguração, em abril de 2024. O espaço é uma iniciativa do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), com implementação do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio). Em um ano de funcionamento, já foram realizados cerca de 29 mil atendimentos.

A rotina no local começa com o acolhimento -muitas vezes, pelas mãos de Elizabeth Menezes, chefe da equipe de limpeza. Conhecida ali como Beth Fashion, ela se tornou figura central na triagem de roupas doadas. “Quando eles [atendidos] chegam, eu já olho e sei o estilo, o tamanho. Ajudo na autoestima deles. Eu arrumo eles e tenho orgulho disso”, diz a servidora.

Assim como Beth, os cerca de 30 profissionais que atuam no Cipop exercem múltiplas funções. Representantes de diversos órgãos -como Detran-RJ, Junta Militar, Defensoria Pública, TRE (Tribunal Regional Eleitoral), OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Ministério do Trabalho, TRT (Tribunal Regional do Trabalho), INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), Sine (Sistema Nacional de Emprego) e Assistência Social– atuam no espaço de forma integrada, oferecendo desde a emissão de documentos até encaminhamentos para benefícios assistenciais.

Segundo a coordenadora do projeto, Teresa Guimarães, os serviços mais procurados são a emissão de identidade, o cadastramento no CadÚnico e o encaminhamento ao Sine. “A documentação é a porta de entrada para tudo. Sem ela, a pessoa em situação de rua fica travada, invisível para o Estado”, diz.

A maioria do público atendido é formada por homens negros, com idades entre 20 e 45 anos e baixa escolaridade. Mas também passam pelo centro pessoas em situação de vulnerabilidade que não vivem exatamente nas ruas, como moradores de ocupações e pessoas com deficiência.

Vivendo nas ruas há quase 20 anos, Roberto Carlos da Silva, 58, passou a ser dependente de álcool e cigarro. Ele conta que passou a dormir pelas calçadas quando perdeu a capacidade de trabalhar como catador, após ser atropelado próximo à Central do Brasil.

Procurou o Cipop para refazer seus documentos e dar entrada no Loas (Benefício de Prestação Continuada, destinado a idosos e pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade). “Quero sair dessa situação. Alugar uma casa.” Ao sair, guardou seus papéis dentro das calças para, segundo ele, não perdê-los pelas ruas.

Um dos desafios, segundo Teresa, é acompanhar os desdobramentos após os atendimentos. “Muitos voltam aqui para avisar que estão trabalhando, mas a gente ainda não tem esse dado sistematizado. Não sabemos quantos conseguiram manter o emprego. Estamos tentando corrigir isso”, afirma a coordenadora.

Para Cláudio Santos, coordenador do Fórum Permanente sobre População Adulta em Situação de Rua, o projeto é louvável, mas ainda é preciso atacar as causas da vulnerabilidade dessas pessoas –p que, segundo ele, carece de articulação mais ampla.

“O Cipop atende os efeitos, mas não as causas. Ele não discute, por exemplo, a violência da Guarda Municipal e da Secretaria de Ordem Pública contra essa população, nem a abstenção de interesse social”, diz. Para ele, o centro funciona como “uma ilha no meio da miséria”, sem conseguir, sozinho, enfrentar a raiz do problema.

Cipop-Rua/RJ funciona de segunda a sexta, das 9h às 17h, no prédio do antigo restaurante popular da Central do Brasil (rua Senador Pompeu, s/nº, Centro)