POÇOS DE CALDAS, MG (FOLHAPRESS) – Nomeada heroína da pátria em 2023, Laudelina de Campos Mello foi uma das mais importantes militantes pelos direitos das trabalhadoras domésticas no Brasil. Nascida em Poços de Caldas, Minas Gerais, em 1904, a ativista tem sua história contada por meio da arte na exposição “Dignidade e Luta”, em cartaz no Instituto Moreira Salles, o IMS, na cidade natal da homenageada.
Laudelina foi responsável por criar as primeiras associações de trabalhadoras domésticas do país, em Santos e Campinas, em 1936 e 1961, respectivamente. Organizou eventos sociais e manifestações e integrou a Frente Negra Brasileira, uma das primeiras organizações que lutava pelos direitos das pessoas negras.
Reflexões sobre o lugar do trabalho doméstico na sociedade brasileira são o fio condutor da mostra, que reúne episódios da vida da ativista e as obras de 41 artistas negros de gerações diferentes -com um século separando a obra mais antiga, de 1920, de uma das mais recentes, de 2025.
A representação de mulheres negras na televisão, frequentemente restrita a papéis de empregadas, a importância do acesso à cultura e ao lazer, o direito ao descanso e ao cuidado com a própria saúde, são alguns dos temas que aparecem ao longo da mostra.
A partir da arte, a exposição busca dar visibilidade à luta de Laudelina, uma líder que via na precariedade das condições de trabalho as desigualdades herdadas do período da escravidão, afirmam as organizadoras Raquel Barreto e Renata Sampaio.
“Na pesquisa ficou muito evidente que uma parte da produção artística brasileira de autoria negra é composta por pessoas que tematizam o trabalho doméstico. Muitos desses artistas são, ou foram, trabalhadores domésticos, e muitos têm familiares, mães, avós, tias que eram trabalhadoras domésticas”, afirma Barreto.
Apesar dos avanços, a categoria ainda carrega inúmeros problemas, como o alto índice de informalidade e a persistência de relações racistas entre empregados e empregadores, que negligenciam direitos dos funcionários. Mulheres negras são maioria em funções como faxineiras, cozinheiras e babás e recebem menos pelo trabalho. Elas ganharam 86,1% do ganho das brancas na mesma função, entre 2012 e 2022, segundo levantamento do Cedra, o Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais.
Abordar as condições de trabalho impostas às domésticas e tratar da herança de desigualdade vinda do período colonial sem fazer da exposição um espaço de dor para pessoas negras foi um dos desafios do processo curatorial. “É uma linha delicada, mas a nossa preocupação é que, ao tratar da violência colonial, a gente não cometa outra violência apresentando o tema”, afirma Barreto.
Neta de escravizados, Laudelina começou a trabalhar ainda criança, aos sete anos. Sem acesso ao estudo formal, ela iniciou a militância por direitos para a população negra ainda na adolescência, aos 16 anos, quando fundou o Clube 13 de Maio, que oferecia atividades culturais aos jovens negros, impedidos de frequentar espaços de lazer.
Em Santos, ela acolheu mulheres idosas ou com problemas de saúde que, sem trabalho, iam parar nas ruas, sem casa ou qualquer suporte.
A luta por reconhecimento enquanto categoria profissional, que começou no início do século 20, deu seus primeiros frutos em 1972, quando a profissão foi regulamentada com uma lei que previa direito à carteira assinada, acesso à previdência social e férias remuneradas. Mas apenas em 2013 a categoria alcançou avanços mais significativos com a aprovação da PEC das Domésticas, que estende às trabalhadoras direitos como jornada de 44 horas semanais e acesso ao FGTS.
Além da militância política, a ativista também atuou como agente cultural. Ela promovia bailes, organizava piqueniques e fundou uma escola de dança voltada a jovens negras. Laudelina morreu em 1991, em Campinas, e deixou sua casa em testamento para ser a sede do sindicato da categoria na cidade.
“A militância da Laudelina passa pelo direito ao acesso. Acesso à cultura, à diversão, ao direito de estar junto com os seus, a autoestima, a sociabilidade”, afirma Sampaio.
Sua trajetória foi documentada pela pesquisadora Elisabete Pinto, autora do livro “Etnicidade, Gênero e Educação: Trajetória de Vida de Laudelina de Campos Mello”. Ela conviveu com a ativista durante seus últimos anos de vida e organizou em sua dissertação de mestrado, que foi posteriormente transformada em livro, com as vivências e conquistas das associações das trabalhadoras domésticas.
“Em 1936 ela passa a viver uma vida pública, no meio de homens brancos, no momento em que as mulheres estavam na vida privada e não lutando politicamente”, afirma a pesquisadora e professora da Universidade Federal da Bahia.
“Através da arte, você passa uma visão de mundo. Você pode passar uma visão autoritária, excludente, mas você pode ter uma arte também que possa representar a população. Quando vemos sua trajetória, ela está voltada para a arte, porque os pretos não tinham esse acesso”, diz a pesquisadora.
Elisabete observa que, apesar dos avanços conquistados, ainda hoje muitos negros e moradores da periferia continuam afastados de espaços culturais como o teatro e o cinema.
A exposição tem entrada gratuita e fica em cartaz até 14 de setembro de 2025. Após este período, a mostra seguirá para o IMS de São Paulo, onde deve ser aberta ao público em 2026.
DIGNIDADE E LUTA: LAUDELINA DE CAMPOS MELLO
Quando Terça a domingo das 10h às 20h; até 14 de setembro
Onde IMS Poços – Rua Teresópolis, 90, Poços de Caldas, MG
Preço Entrada Gratuita