BRUMADINHO, MG (FOLHAPRESS) – Três onças vivem nas reservas ambientais que margeiam Inhotim, o museu a céu aberto em Minas Gerais, localizado numa região de transição entre dois biomas, o cerrado e a mata atlântica. Certo dia, um dos funcionários da instituição ouviu o rugido de uma delas, que rondava o terreno da instituição .

“Eu nunca lidei com onça, sabe, é uma loucura”, conta, em tom surpreso e bem-humorado, Paula Azevedo, presidente de Inhotim, acostumada a se preocupar com o financiamento da instituição —não com felinos selvagens. Ela ligou para um órgão responsável por animais silvestres e relatou o visitante inesperado. “É um lugar muito legal de aprendizado. Acho que consigo abraçar isso sem enlouquecer.”

Há 15 meses, Azevedo está no comando do museu que virou um dos principais atrativos turísticos de Minas Gerais ao reunir, em meio a uma área verde pouco menor do que a do parque do Ibirapuera, em São Paulo, galerias de grandes nomes da arte contemporânea em prédios de arquitetura notável —e, desde o ano passado, um hotel de luxo que, embora esteja dentro de Inhotim, tem outro dono.

Seu desafio, ela afirma, é pensar na perenidade da instituição que, às vésperas de completar 20 anos da abertura para o público, em 2026, se tornou independente de seu fundador, Bernardo Paz. O empresário ligado ao ramo da mineração não tem mais nenhum papel de gestão em Inhotim, segundo Azevedo, e não injeta mais dinheiro na instituição que criou a partir de sua coleção de arte e financiou por mais de 15 anos.

Agora, para sustentar seus 520 funcionários e manter as 58 edificações —entre pavilhões de artistas, galerias e prédios administrativos—, Inhotim se vê na mesma situação dos principais museus do país, muito dependente de dinheiro público da Lei Rouanet. As contas fecham com patrocínios diretos e a receita da bilheteria e de demais fontes, como a loja e os restaurantes.

“Meu projeto é deixar um marco de gestão”, diz Azevedo, entre um gole e outro de Coca Zero num bar em Inhotim, ao classificar seu cargo de “um enorme desafio”. Ela conquistou a presidência depois de passar dois anos como vice, posição para a qual havia sido convidada por Bernardo Paz.

Filha de um profissional do mercado financeiro e de uma modelo que estampava capas de revistas na década de 1960, a paulista teve um pai muito preocupado com dinheiro e uma mãe que vivia cercada de artistas. Foi assim, ela conta, que nasceu sua paixão por arte.

Ela se considera curiosa e diz que aprende rápido. Autodidata, não concluiu a faculdade, mas isso não a impediu de ocupar, por mais de uma década, cargos de direção no Museu de Arte Moderna de São Paulo, no Instituto Tomie Ohtake e no Instituto de Arte Contemporânea. Nas instituições paulistanas, aprimorou as habilidades de gestora e cultivou contatos com personalidades da arte e dos negócios, gente que influencia o pensamento e o PIB do Brasil.

Azevedo, de 50 anos, lembra ter chegado a Inhotim no rastro de situações muito difíceis —as acusações contra o fundador do museu por lavagem de dinheiro, pelas quais foi condenado e depois absolvido, o rompimento da barragem de Brumadinho, da mineradora Vale, em 2019, desastre que deixou 247 mortos, um surto de febre amarela na região e a pandemia, que acarretaram a diminuição de visitantes.

Ela é uma exceção no cenário das artes, dado que os museus mais importantes do Brasil, o Masp e a Pinacoteca do Estado, têm homens no comando, e uma instituição de relevância como o Museu de Arte Moderna de São Paulo, por exemplo, é representada por seu curador-chefe, embora seja presidida por uma mulher.

“Acho que toda mulher no papel de liderança se sente sozinha. É uma condição da luta feminina pela propriedade daquele lugar [de poder]. Me sinto muito bem na minha posição. Não gosto de me vitimizar”, ela afirma. Azevedo observa que cinco das seis diretoras de Inhotim são mulheres, dentre as quais Júlia Rebouças, responsável pela parte artística. “Não foi uma pauta feminista. Foi uma condição que aconteceu.”

Inhotim tem um orçamento anual de mais de R$ 90 milhões. No ano passado, 60% deste valor foi obtido via Lei Rouanet, segundo a instituição. Segundo a gestora, quando ela chegou ao museu, em 2022, o número de parceiros e patrocinadores era de 22, mas hoje já está em 65. Um deles é a Gucci, marca de roupas de luxo que promove anualmente um jantar de arrecadação de fundos nos jardins da instituição.

A mineradora Vale é a principal patrocinadora de Inhotim, tendo firmado um contrato para a injeção de R$ 400 milhões em dez anos, num caso raro de uma empresa que se compromete com uma instituição por um prazo tão longo —museus costumam ter planos anuais ou bianuais. Parte do dinheiro da Vale chegará via Lei Rouanet e parte será investimento direto.

A diferença é que a verba do patrocínio direto pode ser empregada no cuidado dos imensos 38 hectares de jardins de Inhotim, por exemplo, o que o percentual obtido pela Rouanet não permite. É, como se diz no jargão, um dinheiro livre, ou seja, sem amarras com o governo.

Azevedo afirma considerar a Lei Rouanet “maravilhosa”, mas também está numa busca por diminuir a dependência de Inhotim da verba pública, montante que varia a cada ano por estar atrelado ao faturamento das empresas que usam o mecanismo de incentivo. Ou seja, ao dependerem tanto de terceiros para fecharem as contas, os museus ficam numa posição de insegurança constante.

Outro ponto de atenção da presidente é o aumento de público. No ano passado, foram 335 mil visitantes, dos quais cerca de 60% entraram gratuitamente, o que é possível às quartas e no último domingo do mês. O volume de quem não pagou é semelhante ao do Masp, o segundo museu mais visitado do país. Azevedo pretende chegar aos 400 mil.

Realista, ela acredita que este número não será alcançado já neste ano. Mas isso será um estímulo para seguir tentando. “Eu vejo muito o copo meio cheio.”