LAJEADO, RS (FOLHAPRESS) – Em um cenário de transferências de renda e obras de reconstrução, a economia do Rio Grande do Sul mostrou sinais de retomada após o baque das enchentes históricas que arrasaram parte do estado um ano atrás.
A atividade, contudo, volta a ser ameaçada pelo clima em 2025. Desta vez, a preocupação vem da estiagem que provocou perdas na agropecuária durante o verão principalmente na soja e que pode gerar reflexos indiretos em outros setores.
“Os eventos climáticos estão pautando há muito tempo a economia do Rio Grande do Sul e agora, parece, com mais força”, afirma o economista Marcos Lelis, professor da Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos).
“O efeito da quebra de safra não fica só na agropecuária”, acrescenta o especialista, citando possíveis impactos negativos em setores como a indústria de máquinas e implementos agrícolas e o comércio em 2025.
Apesar das enchentes, o PIB (Produto Interno Bruto) gaúcho fechou o ano de 2024 com crescimento acumulado de 4,9%. O dado foi divulgado neste mês pelo DEE (Departamento de Economia e Estatística), órgão técnico vinculado ao governo estadual.
A alta foi influenciada pela recuperação da safra no ano passado, já que boa parte da produção havia sido colhida antes das enchentes, mas outros dois setores também ajudaram, aponta Martinho Lazzari, pesquisador do DEE.
Foram os casos do comércio, impactado por transferências de renda e reposição de bens perdidos pelas famílias nas inundações, e da construção, estimulada por obras de reconstrução.
“Em maio do ano passado, era esperado um baque muito maior das enchentes na economia do estado, mas, ao fechar o ano, a gente viu que [o choque] não foi tão grande assim, pelo menos em 2024”, aponta Martinho.
SÉRIE RECONSTRUÇÃO GAÚCHA
Para 2025, o cenário é de um crescimento menor, segundo o pesquisador. “A estiagem pegou mais a soja, o principal produto da safra, então não dá para esperar um impulso da agropecuária”, diz.
“A gente também imagina que o comércio começará a perder força. As pessoas fizeram compras para recompor suas casas, suas vidas, mas isso tem um limite.”
Lelis vai na mesma linha. Ele também espera uma desaceleração neste ano. Com a estiagem, o PIB gaúcho deve fechar o acumulado de 2025 com alta em torno de 1%, abaixo dos 4,9% de 2024, aponta o professor.
“São solavancos da economia do Rio Grande do Sul. Num ano, cresce 4,9%, no outro, 1%. Aí parece que [a atividade] não consegue engrenar por eventos climáticos constantes. O crescimento é muito volátil”, diz.
Segundo Lelis, um dos indicadores que ajudam a entender o comportamento recente da economia gaúcha é o IBCR (Índice de Atividade Econômica Regional do Banco Central).
Em maio do ano passado, no pico das enchentes, a atividade econômica do estado amargou um tombo de 7,9% ante abril, apontam dados do IBCR com ajuste sazonal. Em junho, já houve uma reversão, com um avanço de 7,9%.
Isso, diz Lelis, sinaliza que as perdas ficaram mais concentradas no início da crise. Em fevereiro de 2025, porém, a atividade encolheu 1,7% no índice do BC, a maior queda desde maio de 2024, o que pode mostrar um reflexo inicial da estiagem, conforme o professor.
Na safra 2024/25, o Rio Grande do Sul deve registrar uma redução de 25,7% na soja, de acordo com projeção mais recente da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Para a produção total de grãos do estado, a previsão é de baixa de 8%.
“Além da estiagem, tivemos calor muito intenso, que fez um estrago danado no desenvolvimento das plantas”, afirma Antonio da Luz, economista-chefe do Sistema Farsul (Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul).
A entidade estimou que, de 2020 a 2024, o agronegócio como um todo, incluindo ramos da indústria e de serviços, perdeu R$ 319,1 bilhões em razão de estiagens no estado. O valor equivale a quase metade do PIB local de 2023, aponta a Farsul.
“A gente tem uma economia que cresce com a maior produção de grãos e que decresce com a menor produção de grãos”, afirma Luz.
No mercado de trabalho, o Rio Grande do Sul fechou o mês de fevereiro com quase 2,9 milhões de empregos com carteira assinada, conforme o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). O estoque de vagas é 2,7% maior do que o observado em igual mês de 2024 (2,8 milhões), antes das enchentes.
“Dada a dimensão do desastre, a recuperação pode ser considerada rápida, mas ainda há feridas, como estradas que precisam ser recuperadas”, afirma o economista e pesquisador Ely José de Mattos, do laboratório de estudos PUCRS Data Social.
Na visão dele, a enchente afetou mais a vida das pessoas em áreas como a habitação do que a atividade econômica em si.
“A economia é um meio social, se recupera. A vida das pessoas também se recupera, mas é algo mais delicado. A economia não tem traumas, as pessoas têm. Perdem sua história quando a casa delas é inundada.”
O secretário do governo federal para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, Maneco Hassen, afirma que, apesar da estiagem, a economia local deve ter estímulos da construção de moradias e de obras de proteção a enchentes em 2025.
A série Reconstrução Gaúcha, publicada mensalmente no site da Folha de S.Paulo, mostra a reconstrução do Rio Grande do Sul após as enchentes de proporções históricas que começaram em abril de 2024 e atingiram centenas de municípios do estado. As reportagens, publicadas no fim de cada mês, mostram os desafios em áreas como agropecuária, infraestrutura e setor imobiliário, além do empenho na restauração dessas atividades.