LAJEADO, RS (FOLHAPRESS) – A enfermeira Patrícia da Rocha, 47, busca reconstruir a vida um ano após as enchentes no Rio Grande do Sul. O maior desastre climático da história do estado deixou um saldo de perdas humanas e materiais para ela.

A sua mãe, Heloísa Maria da Rocha, 69, morreu na catástrofe, e o seu irmão, Leandro da Rocha, 39, continua desaparecido. Os dois viviam perto de um córrego no município de Relvado (a 180 km de Porto Alegre).

Patrícia também teve a sua casa destruída pela tragédia em Arroio do Meio (a 120 km da capital gaúcha). Sem a residência, precisou se mudar para um sobrado alugado na cidade vizinha de Lajeado.

A enfermeira diz que ela e o marido não conseguiram auxílio do governo federal para a compra de uma nova moradia por incompatibilidade de renda –a modalidade Compra Assistida é voltada para famílias com ganhos de até R$ 4.700.

Assim, o casal juntou esforços para adquirir um terreno afastado do rio Taquari em Arroio do Meio. A casa, contudo, não será erguida agora. A ideia é reunir condições para a obra no futuro.

“A gente não desiste nunca porque tem muita fé e esperança de dias melhores, de construir um novo lar. Com a compra do terreno, vi uma luz no fim do túnel. Daqui a pouco vou colocar as primeiras pedras e devagarinho acho que a gente vai conseguir.”

Ao ser perguntada sobre o que lhe traz força para seguir em frente, Patrícia fica com os olhos marejados. Logo na sequência, faz um afago na perna do seu filho, o garoto Nicolas, 16, que tem autismo e que estava sentado ao lado dela durante a entrevista para esta reportagem.

“Aqui está a minha força. Ele é a minha luz, a luz da minha vida. O que ele vai fazer sem mim, né? Então, eu tenho de ser forte para conseguir ajudá-lo, para cuidar dele.”

Segundo dados atualizados na quinta (24) pela Defesa Civil do Rio Grande Sul, o desastre ocorrido na passagem de abril para maio de 2024 deixou 184 mortos e 25 desaparecidos.

Patrícia conta que o corpo de sua mãe foi encontrado um mês depois da catástrofe. Ela relata que obviamente gostaria de localizar o irmão também, mas afirma que as buscas diárias foram paralisadas.

“A enchente se alastrou, e eles [bombeiros] não conseguem mais, não têm como cavar quilômetros e quilômetros. O que vou fazer? Ir contra uma coisa que estão explicando que não é viável?”, diz.

“Eles tentaram, eu sei que tentaram, porque sempre tive contato com os bombeiros. Eles tinham o meu número [de telefone] e me informavam tudo.”

Em nota, o Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul afirma em relação aos desaparecidos que a dinâmica do desastre “atesta que as suas localizações desafiam a capacidade humana e tecnológica para encontrá-los”.

“As buscas permanecem quando há alguma evidência de material biológico resultante de odores específicos, quando encontrados por cães farejadores, tendo em vista uma área vasta de onde as vítimas foram vistas por último”, diz a corporação.

Na quinta-feira, ao atualizar o balanço das enchentes, a Defesa Civil confirmou a localização dos restos mortais de uma pessoa que estava na lista de desaparecidos. A vítima foi identificada como Olivan Paulo da Rosa, do município de Barros Cassal (a 250 km de Porto Alegre).

O órgão também disse na ocasião que uma pessoa que era tida como desaparecida foi localizada com vida em Canoas, na Grande Porto Alegre. Trata-se de José Everaldo Vargas de Almeida.

Segundo o governo gaúcho, ele foi localizado após o registro de um boletim de ocorrência em uma delegacia policial.

A situação dele e as circunstâncias que o levaram a procurar a polícia não foram detalhadas pelas autoridades, a fim de preservá-lo.

Com as alterações, o número de mortes na tragédia aumentou de 183 para 184. Já o total de desaparecidos diminuiu de 27 para 25.

Eduardo Leal Conceição, neuropsicólogo do Hospital São Lucas da PUCRS e professor da universidade gaúcha, diz que pessoas que perderam entes em uma tragédia como a das chuvas vivem “diversos lutos” ao mesmo tempo.

Além de sofrerem com a morte ou o desaparecimento de familiares e amigos, essas pessoas podem ter ficado sem casa, trabalho e vários outros “momentos que traziam uma identidade”, aponta o especialista. Por isso, é recomendável que tenham ajuda na área de saúde mental, afirma.

“Nós, seres humanos, precisamos de rituais para demarcarmos bem e seguirmos as etapas. Familiares de vítimas de uma tragédia vivenciam o tipo de luto que chamamos de luto complicado ou luto atípico.”

“O relato que a gente escuta das pessoas que perderam familiares ou até animais [no desastre] é um discurso de que se sentem amputadas. É como se a aceitação [das perdas] demorasse mais tempo”, acrescenta.