SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dezenas de pessoas, incluindo pastores e líderes de outras religiões, reuniram-se na manhã desta quinta-feira (1º) na Igreja Presbiteriana Independente do Cambuci, na região central de São Paulo, para o ato “Meditação da paz”, em que convidados fizeram leituras de trechos bíblicos e textos teológicos que enfatizam o respeito como valor cristão.

O evento foi promovido pelo pastor Valdinei Ferreira, que acabou demitido da Fatipi, faculdade de teologia da Ipib (Igreja Presbiteriana Independente do Brasil), após ser alvo de uma campanha de difamação nas redes sociais pela publicação do artigo “Judas traiu Jesus ou Jesus traiu Judas?” na Folha de S.Paulo.

Segundo Valdinei, o objetivo do artigo era incentivar o diálogo sobre as mensagens da Bíblia e questionar certezas absolutas sobre as noções de bem e mal, mas a resposta foi o oposto. A falsa hipótese de que ele teria empurrado para Jesus a pecha de traidor passou a circular pela internet e, pressionada, a faculdade o demitiu, diz o pastor.

Apesar de sentir que não encontrou abertura para diálogo nas redes sociais ou na direção da faculdade onde trabalhava, o pastor afirma que uma postura diferente -respondendo os críticos com acusações e desqualificações- não traria vantagem. “Só vai me levar para o terreno que eles querem, que é o terreno do conflito”, ele disse.

Ferreira também tratou a reação ao artigo -em geral, focada no título- como falsa polêmica. Segundo ele, o debate sobre as nuances da traição de Judas Iscariotes a Jesus dentro do cristianismo é antigo.

No artigo publicado na Folha de S.Paulo, o pastor trata das reflexões do teólogo francês Jean-Yves Leloup, sacerdote da Igreja Ortodoxa, sobre a intenção de Judas e seu arrependimento ao entregar Jesus à autoridades que queriam matá-lo.

A partir de evangelhos apócrifos -antigos escritos cristãos que não foram incluídos nos cânones bíblicos-, Leloup diz que Jesus teria pedido ao discípulo que o entregasse e que, além disso, Judas imaginava que a prisão desencadearia um conflito no qual o Messias se colocaria como líder militar, o que não ocorreu. Mensagens enviadas ao pastor o acusaram de blasfêmia, mesmo que o artigo do pastor não acuse efetivamente Jesus de traição.

“Me coloco à disposição para o diálogo com quem se ofendeu”, disse o pastor à reportagem. “Eu não obtive o diálogo, me ofereci para ser ouvido e não fui chamado. Fui ignorado e demitido sem ser ouvido.”

A demissão de Ferreira foi mencionada brevemente durante o ato, que se concentrou nos textos religiosos que pregam paz e tolerância. O evento foi aberto a pessoas de todas as religiões, e um representante da umbanda e pastores da Igreja Luterana, por exemplo, compareceram.

O ato contou também com a leitura de um texto pelo reverendo Everton Camargo, secretário-geral da Ipib. “De maneira geral, o Protestantismo é guardião das liberdades”, diz um trecho do texto. “Não se usa mais a fogueira, nem aplicam as barbaridades físicas da Inquisição. Mas não se deixa de aplicar a tortura moral.”

Já a socióloga Maria Arminda do Nascimento Arruda, vice-reitora da USP, gravou um depoimento em áudio que foi reproduzido na caixa de som da Igreja. “Queria deixar aqui expresso meu afastamento em relação a qualquer forma de censura, venha de onde vier. O mundo civilizado tem de ser o mundo de todos os credos, de todas as opiniões e de liberdade de pensar e dizer”, ela afirmou.

Ao final, Ferreira conduziu uma sessão de meditação coletiva, pedindo aos participantes que repetissem uma frase que prega paz e entendimento. Depois, uma fila de pessoas se formou na porta de igreja para abraçá-lo. Uma mulher chorou ao conversar com ele e prestar solidariedade.

Ferreira é pastor há 33 anos. Num outro artigo publicado pela Folha de S.Paulo, após o linchamento virtual, ele afirmou que a demissão da Fatipi foi a primeira na sua carreira.

Alunos do curso de teologia divulgaram uma carta em defesa do pastor. “A ausência do professor, cuja atuação foi sempre reconhecida por sua excelência didática, ética pastoral e compromisso com os valores acadêmicos e cristãos, causou surpresa e apreensão”, diz o texto.

Questionado se a demissão de Valdinei Ferreira teve a ver com seu artigo sobre Judas, o presidente da FECP, Heitor Pires Barbosa Jr., disse que a “mesma deu-se sem justa causa” e que “cada autor responde pessoalmente pela publicação” de ensaios publicados sem aval da fundação.

“Aprendi que precisamos tratar isso [a cultura do cancelamento] no âmbito da comunidade. É preciso haver uma espécie de educação em relação às redes sociais, porque as pessoas mobilizam agressividade”, disse Ferreira nesta quinta. “Esse ato é um chamado à reflexão.”