RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Lixões a céu aberto foram descobertos no Rio de Janeiro nos últimos meses, especialmente na capital e na cidade de Duque de Caxias, onde, há 12 anos, o aterro de Jardim Gramacho, que chegou ser considerado o maior lixão da América Latina, foi desativado.

Órgãos ambientais do estado e a Polícia Civil investigam os casos. Em pelo menos um deles, no Rio, a polícia confirma o envolvimento de uma facção do tráfico de drogas.

No dia 8 de abril, uma operação do Inea (Instituto do Ambiente) com as polícias Civil e Militar

vistoriou um lixão no Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, em terreno ao lado de onde entre 1978 e 2012 funcionou o antigo aterro.

Ali, caminhões despejavam caçambas com entulhos, materiais orgânicos e eletrônicos. Dois fornos para produção de carvão vegetal foram encontrados. Quinze empresas foram identificadas e oito pessoas conduzidas à delegacia.

O antigo aterro, que ocupava 130 hectares, o equivalente a 182 campos de futebol, foi desativado pela Prefeitura do Rio, cidade de onde saía a maior parte dos resíduos ali despejados.

Jardim Gramacho fica às margens da baía de Guanabara e próximo ao bairro da Ilha do Governador, onde está o aeroporto internacional do Rio.

Em 2024, a Comlurb, companhia municipal de limpeza do Rio, enviou ofício ao Inea em que menciona o possível impacto ambiental. O documento diz que novos aterros “estão causando a supressão de vegetação de manguezal, e possivelmente contaminando aquíferos subterrâneos”.

Segundo Bernardo Rossi, secretário estadual de Ambiente, não há indícios oficiais de que o lixão do Jardim Gramacho tenta voltado.

“No entanto, realizamos fiscalizações periódicas justamente para evitar o retorno de atividade ilegais. Qualquer sinal de uso irregular do solo é apurado e combatido”, afirma.

Em 2023, o Inea instalou 17 ecobarreiras em rios que deságuam na baía de Guanabara. Elas servem para reter até 1.200 toneladas de lixo por mês.

Em uma das ecobarreiras, próxima à ilha Pombeba, 155 toneladas de resíduos sólidos foram retiradas em um ano.

A ilha, vista por quem passa no viaduto na ponte Rio-Niterói, está perto do bairro portuário do Caju.

Foi nesta região, segundo investigações policiais, que o TCP (Terceiro Comando Puro), facção do tráfico de drogas, passou a controlar um lixão, cobrando taxas para empresas descartarem material.

Três lixões supostamente clandestinos descobertos recentemente indicam o mesmo modo de atuação: um grupo, por vezes armado, ocupa um terreno e entra em contato com empresas de gestão de resíduos, como as responsáveis por fazer a coleta de entulho ou lixo em condomínios.

No contato, o grupo oferece o terreno para descarte, cobrando um valor abaixo do regulado. As empresas, em vez de levar os lixos para o local adequado, o Centro de Tratamento de Resíduos em Seropédica, na Baixada Fluminense, desviam a rota para os aterros clandestinos.

O protocolo do estado é notificar o responsável pelo terreno. Em casos de reincidência, o Ministério Público pode ser acionado.

Na Vila Urussaí, em Duque de Caxias, a investigação apontou que o grupo solicitava licenças ambientais para terraplanagem. Mas a atividade, segundo o Inea, era uma “cortina de fumaça” para o lixão.

O bairro fica às margens da rodovia Rio-Magé (BR-493/RJ) e é contornado pelo rio Saracuruna, que deságua na baía de Guanabara. Técnicos apontaram que resíduos já estavam soterrando um trecho do rio.

Quando uma equipe técnica chegou ao local para uma vistoria, em janeiro, um homem se identificou como Murilo Luis e afirmou que era um catador independente. Disse que ele e outros usam o terreno para tirar o sustento. O relato consta em documento do Inea.

Outro abordado, o motorista de um caminhão parado no local, mostrou documentos que apontaram a Terraplanagem Shelbys como a destinatária do lixo. O instituto constatou que não havia licença para a empresa atuar.

Na Jucerja (Junta Comercial do Rio de Janeiro), a Shelbys tem como único sócio Murilo Luiz Santos, supostamente homônimo do homem que se apresentou como catador.

A reportagem ligou para telefones associados a empresa, mas não conseguiu retorno e não pôde confirmar se ambos são a mesma pessoa.

Na década de 1980, no Jardim Gramacho, o descarte de todo tipo de material tornou a área fonte de renda de milhares de catadores. O local começou a receber lixo da capital e de cidades vizinhas três anos depois da fusão do estado do Rio com o da Guanabara —hoje a cidade do Rio.

Foram criadas travas para tentar limitar o material enviado ao local, mas isso não impediu a expansão do aterro, que chegou a 65 milhões de toneladas de lixo em 34 anos. Ele foi desativado em 2012, sob promessa de construção de um polo reciclador, conjuntos habitacionais e indenização aos catadores.

As indenizações foram pagas, mas as habitações não saíram do papel.

Mais de 20 fábricas de reciclagem de plástico chegaram a funcionar na região e hoje cinco seguem em atividade.

Segundo Rossi, o governo do estado acolheu 500 catadores que optaram por permanecer na atividade. Cinco cooperativas foram formalizadas.

A Prefeitura de Duque de Caxias afirmou, via nota, que assiste as famílias dos catadores que atuavam no aterro através do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social).

O polo reciclador, prometido na década passada, parou na primeira etapa. Há planos de avanço após assinatura de inclusão do projeto no PAC Resíduos Sólidos. O investimento de R$ 22 milhões foi anunciado pelo Ministério das Cidades em 2024.

“O que está para acontecer em 2025 era para ter acontecido em 2013. As pessoas continuam pobres e continuam reciclando. A expectativa é de que esse polo possa inibir os novos aterros clandestinos que estavam começando a surgir”, afirma Sebastião Santos, presidente do Mesc (Movimento Nacional Eu Sou Catador).