VIENA, ÁUSTRIA (FOLHAPRESS) – Quando Michael Levin tinha em torno de seis anos, ele começou a ter crises de asma que não podiam ser bem tratadas na União Soviética, onde nasceu. O pai de Levin, então, inventou formas de desviar a atenção da criança quando os colapsos apareciam.
Abrir o tubo traseiro da televisão de sua casa era uma forma de distração. Levin olhava para aquilo e ficava fascinado com os fios, placas e pequenas peças brilhantes. “Eu fui transformado pela ideia de que alguém sabia como juntar tudo aquilo para a televisão funcionar”, conta Levin.
Esse foi o começo de uma longa jornada que levou aquela criança com asma da União Soviética a se tornar um cientista nos EUA que tenta entender como o desenvolvimento de organismos vivos ocorre a partir de padrões elétricos.
Para isso, Levin se baseia na bioeletricidade, que é definida por ele como uma cola cognitiva. Essa cola “permite que diferentes partes cooperem de uma forma que resulte numa inteligência maior”, diz o cientista.
Esse é o caso das células. Levin afirma que essas partículas estão conectadas entre si, o que faz com que as células resolvam diferentes problemas de modo cooperativo. Elas também criam memória, como se aprendessem a como solucionar problemas. No centro disso tudo, estão padrões elétricos que funcionam como estopins para as cooperações.
“A rede elétrica do cérebro possui memória e resolve problemas relacionados ao espaço tridimensional. Em outras palavras, ela evolui para mover o organismo através do espaço tridimensional”, diz Levin, que é diretor do Centro de Descobertas Allen (em livre tradução) na Universidade Tufts, nos EUA.
Mas e o resto das nossas células? Para responder essa pergunta, Levin voltou para o estágio embrionário de seres vivos.
Ele observou que o desenvolvimento de órgãos e de diferentes partes de um corpo perpassa esses estímulos elétricos. Ao partir de uma única célula, essas redes elétricas provêm instruções para as células a fim de construir organismos e suas partes, até resultar em um ser complexo.
O pesquisador agora imagina a possibilidade de aplicar a ideia a em diferentes campos, como na regeneração de parte de corpos humanos e até retardamento do envelhecimento.
Para avançar nesse caminho, seu laboratório se foca em desvendar as redes elétricas envolvidas na inteligência celular. A ideia é que, no futuro, será possível enviar comandos personalizados.
“Eu posso dizer a algumas células: você deveria ser um olho, ou refazer um membro, ou ser pele normal em vez de câncer. Estamos manipulando a tomada de decisão dessa inteligência”, afirma o cientista.
Descobrir a forma correta de enviar essas mensagens é um dos grandes desafios. Tudo começa por observar padrões elétricos que moldam a formação de diferentes partes de organismos.
Por exemplo, é possível catalogar o estímulo elétrico no exato momento em que um olho é formado. Então, a ideia é replicar esse mesmo estímulo para desenvolver outro olho. Um experimento no laboratório de Levin já induziu o aparecimento de várias cabeças em planárias por meio desses padrões elétricos.
Assimilar esses estímulos não é fácil. A coleta deles envolve diferentes variáveis, como órgãos, espécies, doenças e idades, o que dificulta ainda mais o processo.
O laboratório de Levin já compilou, decifrou e testou certos padrões bioelétricos, mas somente para algumas espécies e órgãos, como no caso das planárias. Atualmente, estudos já estão sendo feitos com células humanas.
Outro experimento mais recente no laboratório foi a criação de algo até então inexistente, o que leva o nome de morfologia sintética. Chamados de antrobots, essas invenções são robôs biológicos feitos de células de pacientes adultos. A ideia é que eles possam ajudar futuramente na cura personalizada de problemas de saúde em humanos.
Desenvolver novas criações do zero também inclui enviar mensagens para as células a partir dos estímulos bioelétricos, o que pode ser ainda mais complexo, já que o objetivo envolve o desenvolvimento de um órgão ou uma ação que, a priori, nunca foram feitos pelas células.
“O padrão que vemos todos os dias desde o desenvolvimento embrionário é apenas uma das muitas coisas que a vida pode criar. Portanto, não é muito difícil fazer com que as células construam outras coisas. Elas têm uma plasticidade incrível em termos do que fazem. O desafio é comunicarmos o que queremos”, afirma.