SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 2015, no auge da crise de refugiados que atingia a Europa e desafiava governos do continente, o arcebispo de Esztergom-Budapeste, diocese responsável pela capital da Hungria, ecoou as posições do governo de Viktor Orbán e disse que a Igreja Católica húngara não abriria suas paróquias para acolher imigrantes. Se o fizesse, disse Péter Erdo, seus membros se tornariam nada mais do que “traficantes de pessoas”.

O cardeal húngaro, nomeado ao posto pelo papa João Paulo 2º em 2003, recuou da posição depois de uma audiência com o papa Francisco -o pontificado do argentino foi marcado por sua defesa veemente de imigrantes e refugiados, a quem comparava com Jesus Cristo. Erdo disse que aceitaria “o conselho do papa sobre o acolhimento aos refugiados”.

As opiniões do arcebispo de Budapeste, entretanto, não parecem ter mudado após a conversa com Francisco. Em 2017, ele interrompeu uma entrevista após ser questionado se os frequentes ataques de Orbán contra imigrantes e refugiados eram compatíveis com a fé católica. Em 2019, Erdo disse que “não se pode esperar dos europeus que eles sejam obrigados a permitir que o mundo todo entre em seus países, porque isso acabaria com a ordem pública”.

Agora, Erdo é um dos favoritos a suceder Francisco, representando a ala conservadora da Igreja Católica e um possível retorno do pontificado ao coração da Europa. Um dos poucos membros do conclave nomeado por João Paulo 2º ainda com direito a voto (é necessário ter menos de 80 anos), Erdo poderia, no trono de São Pedro, reverter muitas das posições defendidas fervorosamente por Francisco em seu pontificado.

Nascido em 1952, Erdo foi forçado a fugir de casa em 1956 durante a Revolução Húngara, na qual estudantes e milícias anticomunistas se rebelaram contra o regime comunista e a União Soviética em um conflito que matou milhares de pessoas e forçou o deslocamento de pelo menos 200 mil ao longo de seis meses.

A experiência de crescer em um país comunista marcou Erdo, que já deu declarações ressaltando “a importância da religião na vida [dos húngaros] após o colapso da ideologia comunista”. Como nome forte da Igreja nos anos 1990, Erdo participou das negociações que reestabeleceram relações diplomáticas entre o Vaticano e a Hungria após o colapso da União Soviética e de seus satélites e o fim da Guerra Fria.

O cardeal é considerado por seus colegas um homem culto, profundo conhecedor do direito canônico e da história e cultura europeias. Ao mesmo tempo, já foi descrito na imprensa como um líder religioso frio -raramente se deixa fotografar sorrindo-, um contraste com o estilo bem-humorado de Francisco.

Erdo evita se posicionar sobre as questões mais polêmicas que dominam as discussões sobre os rumos da Igreja. Não há muitos registros do que pensa sobre a mudança climática, sobre maior participação de mulheres ou sobre o uso do latim em missas.

Em pontos-chave para os conservadores, entretanto, o cardeal húngaro já se pronunciou. Em 2015, Erdo foi relator do chamado Sínodo da Família, convocado por Francisco para discutir o papel da Igreja em um mundo em mudança, e utilizou o evento para revelar algumas de suas opiniões.

Em seu discurso no Sínodo, um dos mais importantes do encontro, o arcebispo de Budapeste disse que “não há qualquer base para considerar que uniões homossexuais possam ser semelhantes ou mesmo remotamente análogas ao plano de Deus para o casamento e a família”.

Em discussões no mesmo Sínodo, Erdo disse que católicos divorciados e que se casem de novo só poderiam receber comunhão caso não pratiquem relações sexuais -uma posição defendida pelo papa João Paulo 2º. Afirmou ainda que “abordagem pastorais”, ou seja, as relações de membros da Igreja com os fiéis, não podem interferir “na verdade sobre a indissolubilidade do casamento”.

De acordo com a imprensa especializada, as chances de Erdo vencer o conclave são incertas. Ele já foi um apontado como forte concorrente no conclave anterior, em 2013, mas sua candidatura acabou não recebendo apoio suficiente para se tornar uma escolha viável.

Dessa vez, entretanto, há pontos importantes a seu favor, a começar pela idade: aos 72, garantiria pelo menos uma década de liderança sem arriscar um longo pontificado que poderia paralisar a Igreja. Também representaria uma aposta menos arriscada da ala conservadora do que opções mais estridentes, como o cardeal guineense Robert Sarah.