Uma recente polêmica nas redes sociais colocou o Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) no centro de um debate sobre desinformação, empatia e responsabilidade pública. Tudo começou quando a cantora Maraísa, da dupla sertaneja com Maiara, publicou um trecho da música inédita Borderline. A letra associa comportamentos abusivos a pessoas com o transtorno, gerando forte repercussão negativa e reações de especialistas em saúde mental.

O vídeo, publicado no sábado (26), trazia versos como “Nem preciso de CRM pra diagnosticar essa loucura que cê tá vivendo” e “Ele não precisa de você nem do seu sentimento / Só de tratamento”. Trechos que, segundo internautas, reforçam estigmas e desinformam sobre uma condição séria, que afeta cerca de 2 milhões de brasileiros, conforme dados da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

Borderline: o que é e o que não é

De acordo com a psiquiatra Jéssica Morais, pessoas com TPB são mais sensíveis emocionalmente, o que pode levá-las a reações intensas e instabilidade nos relacionamentos. “Elas não escolhem ser assim. É algo que precisa ser tratado com psicoterapia e acompanhamento profissional”, explica.

Os primeiros sinais, segundo a médica, costumam aparecer entre os 18 e 20 anos, com variações abruptas de humor ao longo do dia, conforme o ambiente ou estímulos. O psiquiatra Sávio Teixeira complementa: “O TPB não é sinônimo de personalidade tóxica, nem um rótulo para pessoas difíceis. É um transtorno legítimo, que provoca sofrimento real e exige compreensão e acolhimento, não julgamento.”

A ABP descreve o transtorno como uma condição marcada por instabilidade emocional, impulsividade, crises intensas de autoestima e medo persistente de abandono. No entanto, o problema muitas vezes é reduzido a estereótipos negativos. “Não é raro ouvir que quem tem borderline é ‘manipulador’ ou ‘intenso demais’. Mas o que há por trás disso é um sofrimento afetivo profundo, uma sensação de alarme constante”, observa Teixeira.

Tratamento e superação

O tratamento do TPB é um caminho desafiador, mas possível. A Terapia Comportamental Dialética (DBT) tem se destacado como a abordagem mais eficaz, oferecendo estratégias para lidar com emoções intensas e reações impulsivas. “Não existem soluções mágicas, mas há ferramentas que ajudam a reconstruir relações, reconhecer padrões destrutivos e agir com mais equilíbrio”, afirma Sávio.

Medicamentos, embora não sejam a solução principal, podem auxiliar no controle de sintomas como ansiedade ou depressão. “O apoio contínuo, sem críticas e sem abandono, pode transformar o prognóstico dessas pessoas”, acrescenta o psiquiatra. Ele também faz um lembrete crucial: “O transtorno não define ninguém. É apenas uma parte da história de alguém — e uma parte possível de ser vivida com dignidade.”

Letra apagada, impacto permanente

Diante da repercussão, o vídeo foi deletado no domingo (27), e a equipe da dupla sertaneja optou por não comentar o caso. A dúvida sobre o lançamento oficial da música permanece. Porém, o impacto nas redes foi imediato. Fãs e pessoas com TPB se manifestaram com indignação, apontando a falta de empatia e o reforço de preconceitos.

“Relação tóxica não tem CPF. Não é exclusividade de quem tem um diagnóstico”, escreveu um fã clube da dupla. Já uma seguidora desabafou: “Faço tratamento há anos, levei uma década até receber o diagnóstico. Não é justo ver nossa dor ser transformada em estrofe para gerar buzz.”

Outras vozes clamaram por sensibilidade: “Já que a música alcança tanta gente, por que não usá-la para falar de saúde mental com empatia e responsabilidade?”, questionou uma internauta.

O poder da arte e a responsabilidade da palavra

A canção, embora não tenha sido lançada oficialmente, abriu espaço para discussões importantes. O episódio escancara como ainda há desinformação em torno de transtornos mentais — e como figuras públicas têm o dever de contribuir para um diálogo mais saudável, sem reforçar preconceitos.

A arte tem o poder de tocar, ensinar e transformar. Mas também pode ferir — especialmente quando escolhe estigmatizar, em vez de humanizar.