PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – A COP30, 30ª conferência das Nações Unidas sobre mudança do clima, que acontece em novembro deste ano em Belém, vai ser “um grande evento de empresários” e poderia acontecer por videoconferência. É a opinião do escritor e líder indígena Ailton Krenak, que deu uma conferência em Paris na terça-feira (29), no histórico Collège de France.

“Vai exigir muito investimento, gastar muita coisa para promover uma conferência que podia acontecer online. Ela não precisava ser na Amazônia. Vão estacionar um navio para recepcionar o público, porque não tem infraestrutura em Belém para receber uma conferência”, explicou Krenak.

“Sabemos que os EUA estão sabotando a conferência. Isso significa que os chefes de governo que deveriam assumir posturas não vão estar presentes lá. Então, vai ser um grande evento de empresários. Corporações e empresários vão ganhar muito com a COP30”, acrescentou.

As declarações foram dadas à reportagem logo após a conferência. Durante sua fala, Krenak também expressou pessimismo com os possíveis resultados da cúpula sobre o clima.

“Havia uma expectativa grande de que [a COP] seria uma oportunidade muito rara de os acordos sobre o clima serem reconstituídos. Nós tivemos um derretimento dessa visão. Os acordos todos do clima estão derretendo. Então o clima vai seguir o mesmo passo”, disse.

Uma das principais críticas de Krenak é em relação ao legado que a COP deixará para a capital do Pará.

“A última vez que eu fui, Belém estava em obras. Era máquina para todo lado furando tudo, aquela fúria imobiliária. Como é que você pode dizer que uma conferência vai ser boa se o resultado imediato que ela deixa é a perda da qualidade da vida dos habitantes, que estão sendo removidos dos seus bairros para receber por alguns dias chefes de governo de alguns países do mundo?”

À reportagem, ele criticou também os planos de exploração de petróleo na Bacia Amazônica. “É uma espécie de divórcio da realidade o governo brasileiro ou qualquer outro governo regional insistir na exploração de fósseis. Essa conversa de petróleo deveria ter se encerrado na última conferência [a COP29, em Baku, no Azerbaijão, no ano passado].”

“Você quer deixar um governo animado? Dê um poço de petróleo para ele”, disse durante a conferência.

Em um dos momentos que mais agradaram o público de cerca de 400 pessoas, Krenak afirmou que “o título de sapiens deveria ser cassado” da espécie humana. “Nós somos uma bactéria em vias de extinção. E isso é muito bom”, brincou.

Krenak foi convidado por Didier Fassin e Philippe Descola, professores do Collège e dois dos antropólogos mais importantes da Europa. O evento fez parte do calendário de eventos culturais do Ano do Brasil na França.

A apresentação foi feita por Descola. Ele informou aos franceses presentes que em 2023 Krenak foi o primeiro “autóctone” eleito para a Academia Brasileira de Letras, “o equivalente da Academia Francesa”.

O tema da conferência de Krenak foram dois neologismos de sua autoria, “florescidade” e “florestania”. O primeiro conceito combina as palavras “floresta” e “cidade”, enquanto o segundo se contrapõe ao termo “cidadania” para romper com o que chamou de “monocultura da mente”.

“As cidades têm sido a resposta que damos à pergunta de como habitar a Terra. A ideia de florestania é a partir da experiência de comunidades que tiveram que resistir dentro da floresta, para que ela continuasse sendo o lugar de viver de milhões de pessoas invisibilizadas com a narrativa de que a floresta é um lugar vazio ou inabitável”, explicou.

Krenak elogiou o público parisiense por estar aberto a “outras cosmovisões”. “É muito significativo que eu esteja falando isto aqui nesta cidade, celebrada como uma das mais edificadas, expressivas e belas do mundo.” Sugeriu que o famoso lema da Revolução Francesa deveria passar a ser “Liberdade, igualdade, fraternidade, diversidade”.

Fundado em 1530 pelo rei Francisco 1º, o Collège de France é uma das instituições de ensino e pesquisa mais tradicionais do mundo. É famoso por suas aulas gratuitas e abertas ao público, sem necessidade de inscrição. Nele lecionaram nomes como Roland Barthes (1915-1980), Michel Foucault (1926-1984) e Claude Lévi-Strauss (1908-2009).