LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Entre os eventos públicos e privados que os portugueses tiveram de adiar por causa do apagão desta segunda-feira (28), como viagens de trem, cirurgias eletivas e jogos de tênis do Estoril Open, um deles se destaca: o debate final entre os dois principais candidatos à vaga de primeiro-ministro.

A contenda entre o social-democrata Luís Montenegro, atual ocupante do cargo, e o socialista Pedro Nuno Santos ficou para esta quarta-feira (30). As eleições estão marcadas para 18 de maio.

A falta de luz acabou se tornando tema eleitoral. “O mais grave é que também tivemos um apagão no governo central”, disse Santos. “Uma ausência de liderança, de orientação e apoio quando o país mais precisava. É nas dificuldades que se avalia a liderança e ontem não a tivemos.”

Montenegro rebateu: “O país teve uma resposta altamente positiva e forte face a circunstância grave, inédita e inesperada”.

Montenegro governa com poderes limitados desde 11 de março deste ano, quando o Parlamento rejeitou uma moção de confiança do premiê. Ele foi acusado de conflito de interesses porque uma consultoria de propriedade de sua família tem como cliente uma empresa proprietária de cassinos, que em Portugal são concessão pública. Mesmo assim, Montenegro decidiu se recandidatar ao cargo —e, até agora, lidera as pesquisas, ainda que com margem pequena.

Uma sondagem feita pela Universidade Católica para a Rádio e Televisão Portuguesa, o jornal O Público e a Rádio Antena 1 aponta que a Aliança Democrática, coligação que apoia o premiê, tem 32% das intenções de voto, contra 26% do Partido Socialista de Santos. A margem de erro é de 2,8%. Em terceiro lugar, com 15% das intenções de voto, está o Chega, partido de ultradireita. Seu líder, André Ventura, também criticou Montenegro publicamente.

As críticas ao premiê se concentram no fato de que a maior parte dos portugueses ficou sem informações sobre o apagão durante várias horas. A queda de energia ocorreu por volta das 11h30, no horário local, e o primeiro pronunciamento de Montenegro foi às 15h. Enquanto isso, ministros do governo davam informações desencontradas, como a de que o país havia sido vítima de um ciberataque. Muitos portugueses, além da falta de luz, ficaram sem conexão digital, o que criou um ambiente fértil para teorias conspiratórias.

A favor de Montenegro conta o fato que nesta terça-feira (29), dia seguinte ao apagão, os portugueses puderam retomar as atividades. Escolas, hospitais, transportes públicos e o comércio já funcionam normalmente. Uma exceção é o aeroporto de Lisboa, com voos atrasados e filas de passageiros ainda aguardando suas conexões e bagagens —vários serviços foram interrompidos com o apagão.

“Portugal gere cerca de 190 mil passageiros aéreos por dia, com uma média de 1.217 voos diários. O apagão afetou infraestruturas críticas, deixando milhares de passageiros bloqueados”, diz o ucraniano Anton Radchenko, fundador e CEO da AirAdvisor, uma plataforma global especializada na defesa dos direitos dos passageiros aéreos. Na manhã desta terça ainda havia vários voos cancelados.

Outra questão levantada por candidatos mais à esquerda foi a excessiva dependência de Portugal em relação à Espanha em questões de energia. As redes dos dois países estão integradas num sistema chamado Mibel (Mercado Ibérico de Eletricidade). A origem do apagão foi na Espanha, após uma perda de 15 gigawatts de energia do sistema em apenas 5 segundos. A causa ainda é investigada.

Para o economista brasileiro Édson Severnini, especialista em energia da Boston College e da lisboeta Nova Business School, pode ter faltado integração entre a Península Ibérica e outros países europeus. “O sistema formado por Portugal e Espanha tem como característica a alta participação de energia renovável, que é mais intermitente”, afirma Severnini. “Sistemas assim precisam de fontes de reserva e também de planos de contingência que considerem o pior cenário.”

Ele cita como exemplo um apagão famoso que ocorreu nos Estados Unidos e no Canadá em 1965. De lá para cá, os estados da Costa Leste e da Costa Oeste americanas criaram sistemas integrados e com planos rigorosos para prevenir apagões. “É importante que haja variedade de fontes de energia. No caso de Portugal e da Espanha, uma integração óbvia seria com a França, que tem bastante capacidade nuclear”, diz o especialista.

A União Europeia produzirá um relatório detalhado sobre o caso, com recomendações para que o apagão que afetou cerca de 55 milhões de cidadãos não se repita. Trata-se de uma negociação que passa inevitavelmente pela política. O debate desta quarta-feira será transmitido em cadeia nacional por várias emissoras de televisão, e espera-se que surjam propostas concretas para resolver o problema.