BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A negociação envolvendo Congresso e STF (Supremo Tribunal Federal) para reduzir as penas de condenados pelos ataques de 8 de janeiro de 2023 já tem pronta a minuta de uma proposta que prevê uma alteração na lei para aplicar penas mais baixas para aqueles que estiveram presentes nos atos, mas não tiveram papel de planejamento ou financiamento.
Essa versão inicial do texto foi elaborada pela equipe de consultoria legislativa subordinada ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). A expectativa de parte dos políticos que discutem esse plano é que a proposta seja apresentada já nos próximos dias e possa ir a votação durante o mês de maio.
O objetivo dessa articulação é reduzir a pressão pela aprovação de uma anistia ampla, que anule as condenações e possa se estender também àqueles acusados de comandar uma tentativa de golpe de Estado, incluindo Jair Bolsonaro (PL).
Pelo texto em discussão, o ex-presidente e outros acusados de articular a tentativa de golpe não seriam favorecidos pelas principais mudanças na lei, de acordo com relato de um parlamentar.
Segundo a reportagem apurou, a proposta que está em discussão neste momento no gabinete de Alcolumbre prevê três mudanças na chamada Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito.
A principal alteração cria um novo tipo penal para punir aqueles que praticam atos considerados contra o Estado democrático de Direito, influenciados por uma multidão. Seria o caso daqueles que estiveram presentes nos protestos de 8 de janeiro. Eles ainda seriam punidos normalmente, no entanto, por outros crimes como depredação, o que tem aumentado o tempo total de condenação.
A depender das circunstâncias do envolvimento de cada indivíduo, esse novo crime substituiria condenações por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado. Combinados, esses dois crimes levam a penas de 8 a 20 anos de prisão.
No estágio atual das discussões, o novo tipo penal teria sua punição numa faixa de dois a seis anos de prisão. Como a alteração da lei seria favorável aos acusados, ela retroagiria para beneficiar quem já praticou os crimes.
Alçada a símbolo do bolsonarismo na ofensiva pela anistia, a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos foi condenada a 14 anos de prisão pela Primeira Turma do STF. A sentença prevê cinco crimes, com as maiores penas para golpe de Estado (5 anos) e abolição violenta do Estado democrático de Direito (4 anos e 6 meses).
Caso a lei seja alterada nos moldes sugeridos por Alcolumbre, a pena de Débora poderia ser reduzida em mais de 5 anos e, como consequência, ela já teria direito à progressão da pena para o regime semiaberto.
Como informou a colunista Mônica Bergamo, o Congresso está finalizando uma negociação com o Supremo para aprovar a lei no Parlamento.
De acordo com os participantes das negociações, a mudança na lei teria como efeito uma aceleração na progressão de condenados para o regime semiaberto e na soltura de muitos dos que foram presos desde os ataques de 8 de janeiro.
Políticos e alguns ministros do STF acreditam que essas consequências seriam suficientes para reduzir cobranças e enterrar de vez a proposta de anistia ampla. Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso participam das discussões pelo lado do Supremo.
Há, porém, resistência do lado do tribunal de que a possível mudança na lei seja interpretada como resultado de um acordo entre os Poderes. Na avaliação de um ministro ouvido pela reportagem, o Supremo só aplicou a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, aprovada pelo Congresso em 2021. Para ele, eventuais mudanças nos tipos penais seriam o reconhecimento de que o Legislativo pesou a mão na dosimetria.
O governo indica apoio à proposta, como apontou o líder de Lula (PT) no Senado, Jaques Wagner (PT-BA). O PL de Jair Bolsonaro seria o principal obstáculo, por defender a anistia ampla, mas partidos do centrão mostraram disposição para isolar a sigla do ex-presidente.
Alcolumbre recebeu sinalizações positivas de parte dos ministros do Supremo em relação à proposta, mas alguns integrantes do tribunal ainda enxergam o acordo com restrições.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, indicou que não faria oposição à mudança na legislação que alterasse as penas relacionadas aos crimes cometidos em 8 de janeiro de 2023.
“A solução para quem acha que as penas foram excessivas é uma mudança na lei. Não acho que seja o caso de anistia, porque anistia significa perdão. E o que aconteceu é imperdoável. Mas redimensionar a extensão das penas, se o Congresso entender por bem, está dentro da sua competência”, disse Barroso em entrevista ao jornal O Globo.
Segundo o ministro, uma mudança na lei poderia beneficiar as pessoas que já foram condenadas pelos ataques às sedes dos Poderes. “Se a lei disser que não se acumulam [os crimes de] golpe de Estado com a abolição violenta do Estado de Direito, ou, em vez de tratar como crimes distintos, prever apenas um aumento de pena, isso importaria em uma redução”, afirmou.
Na avaliação de políticos que participam das conversas, o STF tende a aceitar essa solução, mas deve aplicar com rigor a diferenciação entre líderes e a multidão, beneficiando apenas aqueles que estariam na condição inequívoca de participantes dos atos.
Ainda assim, esses envolvidos nos ataques de 8 de janeiro ainda seriam punidos por outros eventuais crimes, como depredação e invasão de prédio público. O novo tipo penal substituiria exclusivamente o golpe de Estado e a abolição do Estado democrático de Direito.
Um segundo dispositivo da proposta diz respeito à duplicidade de acusações contra os envolvidos nos atos. Atualmente, o direito penal prevê o concurso material, princípio segundo o qual as penas se acumulam quando uma pessoa comete dois ou mais crimes em diferentes ações.
De acordo com a minuta, a nova lei manteria os dois tipos penais, mas criaria a possibilidade de condenação apenas por abolição do Estado democrático de Direito, com um agravante nos casos em que o desfecho desse ato seja uma tentativa de golpe de Estado.
Essa aplicação da lei dependeria da participação efetiva de cada acusado. Quando o indivíduo tiver praticado atos diferentes que podem se enquadrar tanto na tentativa de abolição do Estado democrático de Direito (cassação de mandato de ministro do STF, por exemplo) e tentativa de golpe de Estado (derrubar o governo constituído), ele ainda poderia ser enquadrado nos dois crimes.
O terceiro ponto da proposta seria a inclusão na legislação de uma causa de aumento de penas para líderes e responsáveis pelo planejamento desses atos. O objetivo, segundo parlamentares, é ampliar o rigor contra esses personagens e desestimular outros episódios semelhantes.
Esse item seria aplicado apenas para casos futuros, uma vez que mudanças na lei penal só retroagem em benefício, não para prejudicá-lo.
Nas palavras de um senador que trabalha para acelerar a votação da proposta é que a mudança na lei daria ao Judiciário um grau maior de “elasticidade e razoabilidade” para aplicar penas contra os acusados pelos atos golpistas.
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ACORDO EM DISCUSSÃO ENTRE CONGRESSO E STF PREVÊ 3 MUDANÇAS NA LEI
1 – Novo tipo penal para ataque à democracia influenciado por multidão
– Pena em discussão: 2 a 6 anos
– Substituiria, em determinados casos, crimes de abolição do Estado democrático de Direito e golpe de Estado (penas somadas de 8 a 20 anos)
– Não vale para quem planejou, financiou ou liderou atos
2 – Mudança em duplicidade de crimes
– Agravante para crime de abolição do Estado democrático de Direito quando objetivo final for golpe de Estado
– Permitiria que alguns acusados fossem enquadrados apenas no primeiro crime
– Não se aplicaria a quem cometeu atos que podem ser enquadrados nos dois tipos penais
3 – Aumento de pena para líderes de tentativa de golpe
– Apenas para casos futuros