MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) – Um ano depois de ter provocado um tsunami político na Espanha que quase levou à queda do governo, a investigação sobre supostos delitos de tráfico de influência e de corrupção envolvendo a mulher do primeiro-ministro socialista, Pedro Sánchez, segue viva e crescendo.

Após ter ampliado o escopo do caso para cinco diferentes linhas de apuração, o juiz Juan Carlos Peinado decidiu, no começo deste mês, prorrogar a fase de instrução por mais seis meses, argumentando que ainda há diligências pendentes e material a ser analisado.

Ainda que o Ministério Público espanhol tenha mantido, desde o início do processo, um posicionamento favorável ao arquivamento das investigações sobre Gómez, setores no Judiciário e na política continuam a pressionar pela continuidade do caso, frequentemente utilizado como crítica política ao premiê e seu governo.

Conhecido por sua resiliência a ataques, Sánchez surpreendeu os espanhóis — incluindo aliados próximos — ao anunciar, pouco depois da abertura do processo contra a esposa, que se afastaria da agenda pública por cinco dias para fazer “uma reflexão” e decidir se continuaria ou não no cargo, classificando a situação como uma “operação de assédio e destruição”.

Depois de dias de silêncio e incerteza, com manifestações contra sua permanência na liderança do país e a favor da continuidade, Sánchez disse, em 29 de abril de 2024, que não renunciaria. Ele é premiê desde 2018.

“Independentemente de ter sido bom ou ruim politicamente para ele, [a ameaça de demissão] teve impacto sobre a sociedade espanhola, tanto sobre os aliados de Pedro Sánchez quanto sobre seus adversários”, afirma Paloma Román Marugán, doutora em ciência política e professora da Universidade Complutense de Madri, que destaca o cenário crescente de polarização na política espanhola, um agravante para a situação.

A investigação de Begoña Gómez começou após uma denúncia do sindicato de funcionários públicos Manos Limpias (mãos limpas), ligado à ultradireita espanhola. A entidade afirmava que a mulher do primeiro-ministro havia usado sua posição para favorecer um empresário, assinando cartas de recomendação que supostamente o teriam ajudado a conseguir mais de € 10 milhões (R$ 64 milhões) em contratos públicos financiados com fundos europeus.

A denúncia, que apresentava como evidências apenas reportagens sobre o suposto esquema, foi aceita pelo juiz Peinado. Dias depois, o Ministério Público pediu o arquivamento imediato do caso. O magistrado, porém, teve interpretação distinta. Além de seguir com a investigação inicial, passou a analisar também outros pontos da conduta de Gómez, como uma possível influência no resgate da companhia aérea Air Europa, salva pelo governo espanhol em meio a uma grave crise econômica acentuada pela pandemia da Covid-19.

Também está sob escrutínio a cátedra liderada por Gómez na Universidade Complutense de Madri. A mulher do primeiro-ministro não tem um diploma de curso superior, mas a instituição negou que isso seja um pré-requisito para a função que ela desempenhava, tendo sido nomeada por sua “acreditada experiência profissional”.

Em uma decisão sem precedentes, em 30 de julho do ano passado, Peinado foi até o Palácio de Moncloa, sede do governo espanhol, para interrogar o primeiro-ministro como testemunha nas investigações sobre sua esposa. Sánchez se recusou a responder às perguntas, invocando o direito previsto na legislação da Espanha de não testemunhar contra um cônjuge.

Ainda que tenha reconhecido que a decisão foi legítima, o magistrado afirmou que era possível “tirar conclusões” do silêncio do premiê.

Tanto Gómez quanto Sánchez apresentaram ações penais contra o juiz por prevaricação. O Tribunal Superior de Justiça de Madrid, porém, rejeitou, considerando que as decisões do magistrado não foram arbitrárias nem ilegais.

Enquanto Sánchez e representantes do PSOE falam em perseguição, os principais nomes da oposição questionam a integridade do governo e exigem responsabilidades políticas.

Alberto Núñez Feijóo, líder do PP (Partido Popular), a principal sigla da oposição, criticou Sánchez por “se achar impune”, acusando o premiê de recorrer ao vitimismo e de fazer “qualquer coisa para se agarrar ao poder”.

O partido de ultradireita Vox foi além da retórica e interpôs, neste mês, uma ação contra Begoña Gómez por tráfico de influências e prevaricação, falando em “trama de favores e vantagens outorgadas desde o entorno mais próximo” de Sánchez.

Ainda que a Justiça não tenha apresentado ainda indícios claros das acusações contra Gómez, outro escândalo do círculo próximo de Sánchez, que estourou no fim do ano passado, tem potencial de ameaçar o governo.

O pivô, neste caso, é José Luís Ábalos, que foi ministro do Fomento e dos Transportes e ocupou cargos importantes no PSOE. Ele é investigado por tráfico de influência, organização criminosa, suborno e desvio de recursos públicos. A investigação aponta que houve participação ativa de Ábalos em uma operação liderada por Koldo García, seu ex-assessor, e pelo empresário Víctor Aldama. O grupo teria agido para obter contratos milionários para o fornecimento de máscaras durante a pandemia, aproveitando a dispensa de licitação implementada durante a crise sanitária. Empresas sem experiência na área, mas ligadas à influência do grupo, acabaram beneficiadas.

Ábalos teria usado sua influência para facilitar esses negócios. Pouco após o caso vir à tona, o ex-ministro acabou expulso do PSOE; hoje, ele é um deputado independente no Parlamento. O desligamento, contudo, não foi suficiente para o escândalo se dissociar do Executivo.

Na avaliação da professora Paloma Marugán, , os casos de corrupção que envolvem ou cercam o governo têm se tornado parte de uma estratégia sistemática da oposição para desgastar o Executivo, dentro de um cenário mais amplo de disputa política após as eleições de julho de 2023, nas quais o PP não conseguiu retomar o poder. “Ainda não digeriram o que aconteceu, e isso os levou, ou está levando, a adotar uma estratégia de confronto, que às vezes faz muito barulho, mas tem pouca substância real.”

A questão judicial complica ainda mais a já frágil coalizão que sustenta o gabinete socialista. O PSOE governa em coligação com o Sumar, de esquerda, mas não possui maioria no Congresso, dependendo de uma aliança com partidos menores para conseguir aprovar seus projetos.

Sánchez não conseguiu aprovar o Orçamento de Estado dos dois últimos anos e foi obrigado a fazer concessões em várias frentes para avançar minimamente com sua agenda legislativa. Ainda assim, sobrevive no cargo, para o qual tem mandato até 2027, caso não ocorram eleições antecipadas.