SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cercou-se de aliados fervorosos e dispostos a implementar medidas que enfraquecem o Estado de Direito e ameaçam uma crise constitucional no país.
Em cem dias de governo, Trump e sua equipe promoveram cortes sem precedentes em diferentes áreas, iniciaram investigações contra adversários políticos e colocaram em prática planos controversos e contestados judicialmente que visam deportações em massa.
Nem tudo foram flores no começo da gestão, entretanto. O secretário da Defesa, Pete Hegseth, está na berlinda devido ao suposto envolvimento em um escândalo relacionado ao vazamento de segredos militares. Já a lua de mel entre Trump e o empresário Elon Musk parece estar chegando ao fim.
Veja abaixo feitos e polêmicas dos principais integrantes do gabinete de Trump.
J. D. VANCE, VICE-PRESIDENTE
Vance tem atuado como uma espécie de “cão de guarda” de Trump. Diferentemente de sua antecessora, Kamala Harris, que teve atuação discreta, o ex-senador tem adotado postura enfática e por vezes agressiva para defender as políticas do líder republicano, sem qualquer medo de se expor.
O vice tem impulsionado a política conhecida como “America First” (EUA em primeiro lugar) e feito ataques até contra aliados de Washington. Em fevereiro, apoiou Trump em um bate-boca com o líder ucraniano, Volodimir Zelenski, no Salão Oval da Casa Branca, numa cena nunca antes vista em público.
Vance tem tido papel importante em outras pautas caras a Trump. Ele viajou à Groenlândia no mês passado para reforçar o plano defendido pelo presidente que prevê a anexação pelos EUA do território autônomo governado pela Dinamarca. Antes, em fevereiro, frustrou líderes europeus ao ignorar a Guerra da Ucrânia e fazer acenos à extrema direita em uma conferência de segurança em Munique, na Alemanha.
ELON MUSK, CONSELHEIRO DE TRUMP E CHEFE DO DEPARTAMENTO DE EFICIÊNCIA GOVERNAMENTAL
É representativa a cena em que Elon Musk fala a jornalistas, em pé, ao lado de Donald Trump, sentado, no Salão Oval da Casa Branca, enquanto seu filho manda o presidente calar a boca. Nos primeiros cem dias de governo, o bilionário foi o braço-direito do líder republicano e, em alguns momentos, o protagonista.
À frente, ainda que não oficialmente, do Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês), Musk coordenou cortes de gastos em diferentes áreas. Em resumo, desde que a pasta começou a atuar, funcionários públicos têm sido pressionados a se demitir, agências governamentais foram fechadas, e os recursos federais para estados e ONGs, bloqueados. Ele diz que as iniciativas, radicais e sem precedentes, têm o objetivo de acabar com a burocracia e enxugar a máquina pública.
Mas a lua de mel entre Musk e Trump parece estar chegando ao fim. O bilionário passou a ser visto como ônus político depois de uma derrota simbólica numa eleição da Suprema Corte de Wisconsin, na qual o candidato apoiado por ele não perdeu o pleito. Na semana passada, o próprio empresário afirmou que vai diminuir sua participação no governo com a justificativa de que precisa se dedicar às suas empresas.
O saldo até aqui é um copo meio vazio. Musk havia dito que sua equipe de corte do orçamento poderia reduzir a verba federal do próximo ano fiscal em US$ 1 trilhão. Em uma reunião de gabinete recente, contudo, o empresário mudou o discurso ao afirmar que o grupo conseguiria economizar cerca de US$ 150 bilhões, 85% a menos do que o seu objetivo, segundo o jornal The New York Times.
PETE HEGSETH, SECRETÁRIO DA DEFESA
O ex-apresentador da Fox News é o integrante do alto escalão do governo mais pressionado devido a uma série de escândalos, e sua capacidade de continuar no cargo é questionada até por aliados.
Os pedidos de demissão aumentaram depois que o jornal The New York Times publicou reportagem apontando suposto envolvimento de Hegseth no escândalo conhecido como “Signalgate”. Segundo a publicação, o secretário compartilhou segredos militares dos EUA em um grupo do aplicativo Signal com várias pessoas que não deviam ter acesso a esse tipo de informação, entre elas familiares e advogado.
À frente da Defesa, Hegseth tentou barrar a atuação de pessoas transgênero nas Forças Armadas, mas a iniciativa foi bloqueada pela Suprema Corte. Apoiou ainda a demissão de oficiais que foram promovidos pelo governo Biden e destacou os esforços dos militares para capturar imigrantes em situação irregular.
Após a reportagem do New York Times, até mesmo alguns republicanos criticaram Hegseth. Mas Trump, ao menos por ora, não pretende demitir o secretário, embora assessores já manifestem preocupação com um ambiente bagunçado no Pentágono, segundo a imprensa americana.
MARCO RUBIO, SECRETÁRIO DE ESTADO
O filho de imigrantes cubanos foi aprovado ao cargo com apoio bipartidário e de forma unânime pelo Senado. Nos cem dias de governo Trump, contudo, o secretário defendeu com unhas e dentes até as bandeiras trumpistas mais controversas, algumas das quais criticadas inclusive por correligionários.
Foi Rubio quem viajou a El Salvador, em fevereiro, para costurar com o presidente Nayib Bukele o acordo no qual o país latino-americano passou a receber e prender imigrantes deportados dos EUA. Depois, defendeu o desmantelamento da Usaid, a principal agência de ajuda internacional do país que ele elogiou no passado. Mais recentemente, anunciou uma reestruturação no Departamento de Estado, que encerrará programas e deverá fechar embaixadas americanas pelo mundo, sobretudo na África.
Rubio, um crítico ferrenho de regimes autoritários que, segundo ele, sufocam a liberdade de expressão, ainda assumiu uma postura linha-dura contra os estudantes estrangeiros que participaram de manifestações pró-Palestina, defendendo a revogação de centenas de vistos.
Democratas tinham a esperança de que Rubio fosse uma espécie de “secretário da resistência” no governo, uma vez que, no passado, ele não escondeu suas divergências em relação a posicionamentos controversos de Trump. Até aqui, contudo, essa expectativa tem sido frustrada.
PAM BONDI, SECRETÁRIA DE JUSTIÇA
Críticos dizem que a secretária, uma das apoiadoras mais fervorosas de Trump, tem sido responsável por politizar o Departamento de Justiça para perseguir oponentes e provocar medo. À frente da pasta, ela determinou investigações e anunciou a abertura de processos contra pessoas apontadas como inimigas pelo presidente. Entre elas estão ex-integrantes do governo Biden, representantes de escritórios de advocacias e promotores que atuaram em ações criminais contra o republicano no passado.
Bondi também tem atuado para fiscalizar a implementação de diretrizes anunciadas por Trump. O departamento sob seu comando tem processado estados que não estariam cumprindo ordens relacionadas à diversidade, por exemplo, caso da proibição de mulheres trans em esportes femininos.
Ainda na área relacionada aos direitos de pessoas trans, a secretária ordenou na semana passada que o Departamento de Justiça investigue médicos que prestam assistência a menores transgêneros. Em janeiro, Trump assinou decreto proibindo o financiamento, assistência ou apoio à transição de gênero.
KRISTI NOEM, SECRETÁRIA DE SEGURANÇA INTERNA
Além de liderar um dos departamentos mais estratégicos para a atual gestão, responsável pela segurança nas fronteiras e imigração, a secretária tem atuado como espécie de garota-propaganda das ações do governo na área.
Noem gravou peças televisivas em que enaltece Trump, critica as políticas de gestões passadas e diz que os imigrantes em situação irregular devem deixar os EUA de forma imediata. Também tem participado in loco de operações policiais. No último dia 8, publicou em suas redes sociais um vídeo em que aparece com colete à prova de balas e arma em punho, ao lado de agentes da patrulha de fronteira.
O ato mais controverso ocorreu em março, quando ela foi a El Salvador e visitou uma prisão de segurança máxima na qual vários migrantes deportados pelos EUA estão presos. Em vídeo, apareceu com um boné de beisebol diante de uma fila de homens atrás das grades, todos de cabelo raspado e sem camisa. Segundo críticos, a iniciativa faz parte da estratégia do governo Trump de espalhar o medo entre comunidades de migrantes. As políticas linha-dura contra imigrantes lhe renderam o apelido de “czarina das deportações”.
LINDA MCMAHON, SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO
A secretária tem sido leal a Trump em um de seus planos mais controversos: o esvaziamento do Departamento da Educação. McMahon diz que a iniciativa é necessária para eliminar a burocracia e, antes mesmo de o presidente assinar um decreto que orienta o governo a tomar as medidas para encerrar a pasta, ela já havia eliminado metade de sua força de trabalho.
Ex-CEO de uma empresa de luta livre encenada, McMahon prioriza o fim de iniciativas relacionadas à diversidade no ensino superior e tem ameaçado cortar o financiamento federal de faculdades que, por exemplo, consideram a raça como um dos critérios em seus processos seletivos. Em menos de cem dias no cargo, o departamento liderado por ela iniciou mais de 50 investigações a instituições de ensino que estariam oferecendo programas ou bolsas de estudo com focos raciais.
Sob a gestão de McMahon, a pasta da Educação tem apoiado a escalada de ataques de Trump contra instituições acadêmicas, incluindo o congelamento de repasses bilionários a universidades conceituadas, acusadas de tolerarem atos antissemitas em seus campi.