RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Beth Carvalho foi uma compositora bissexta, com menos de dez canções gravadas. Porém cantora que lançou e assinou com personalidade dezenas de clássicos lembrados diariamente em rodas pelo Brasil, responsável por lançar luz sobre inúmeros compositores, entre jovens que revelou e veteranos que resgatou é mais do que justo que ela seja a primeira intérprete homenageada no projeto Sambabook, criado originalmente para celebrar autores do universo do samba.
As cinco edições anteriores foram dedicadas a João Nogueira, Martinho da Vila, Zeca Pagodinho, Dona Ivone Lara e Jorge Aragão.
“A homenagem a Beth se justifica pela importância que ela tem no samba e pelo fato de ela ter se tornado tão dona do repertório que gravou”, explica Afonso Carvalho, idealizador e diretor artístico do Sambabook. “E, ao homenageá-la, estamos homenageando todos os compositores que ela gravou e que não necessariamente teriam a oportunidade de ter um Sambabook exclusivamente dedicado a eles. Desde Gracia do Salgueiro até Wanderley Monteiro, mil compositores contemporâneos enfim”.
O formato segue sendo o consagrado pelo projeto desde a primeira edição, em 2011. Criado pela Musickeria, ele consiste num registro audiovisual de um repertório representativo e numeroso do artista no caso de Beth são 26 faixas, incluindo um pot-pourri relido por artistas de diferentes gerações e estilos. Lançada no início de abril, a gravação, que tem direção musical de Alceu Maia e direção audiovisual de Carolina Duttra e Pietro Grassia, está disponível nas plataformas de streaming.
A geração Cacique de Ramos, que a cantora revelou no disco “De Pé no Chão”, de 1978, está representada nas figuras de Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Sombrinha e Fundo de Quintal. O samba aparece ainda com intérpretes de várias vertentes: Leci Brandão, Xande de Pilares, Teresa Cristina, Diogo Nogueira, Péricles, Arlindinho, Ferrugem, Mumuzinho, Marina Iris, Prettos, Mosquito e Lu Carvalho.
Cantores de outras searas, com ligações menos ou mais evidentes com o samba, também marcam presença: Fagner, Maria Rita, Seu Jorge, Paula Lima, Luciana Mello, Zélia Duncan, Luedji Luna, Agnes Nunes e Luana Carvalho, filha de Beth. Ela gravou “Andança”, ao lado do mesmo trio Golden Boys que dividiu vozes com sua mãe na clássica apresentação no Festival Internacional da Canção em 1968.
Instrumentistas também participam como solistas no projeto: Gabriel Grossi (gaita), Hamilton de Holanda (bandolim), Nicolas Krassik (violino), Marcelinho Moreira (percussão) e o produtor e amigo de décadas Rildo Hora (gaita).
Como nas edições anteriores, o “Sambabook Beth Carvalho”, cujo show de lançamento será no dia 8 de maio na Vibra São Paulo, com participação de artistas presentes no disco, inclui ainda um caderno de partituras e o livro “Beth Carvalho: uma vida pelo samba”, do jornalista Rodrigo Faour. A própria cantora, que ainda estava viva quando o projeto começou a ser desenvolvido, escolheu o autor do volume que repassa sua história a partir de sua discografia.
“Descobri Beth Carvalho com sete anos, com a fita cassete do disco De Pé no Chão”, lembra Faour, que organizou o livro em 16 capítulos, agrupando os discos e os relacionando com episódios da vida da cantora e seu pensamento artístico. “Fiz uma biografia artística de Beth, mas não só. Porque toda sua verve política, existencial, passava pelo trabalho dela. Por exemplo, ela sempre se entendeu pela cultura brasileira, primeiro bossa nova, toada moderna, até se encontrar no samba. Então, em todas suas entrevistas ela fala de política, mesmo que o jornalista não perguntasse”.
Faour ressalta sua integridade artística. “Ela nunca gravou por gravar, nunca aceitou imposição de absolutamente nada, sempre teve um pulso forte no que acreditava. E isso refletia o que ela pensava do país. Era tudo uma coisa só, não tem como separar a Beth artista da Beth pessoa”.
O respeito de Beth à música espelhava seu respeito aos músicos. Faour lembra que ela era capaz de ficar horas debatendo com o arranjador um acorde em determinada gravação. O formato do Sambabook, Afonso explica, é perfeito para a cantora sob essa perspectiva. “No projeto, a banda é formada sempre por músicos que tocaram com o homenageado. E os arranjos são transcrições dos originais, bem fiéis ao que o artista gravou”, diz o diretor artístico, que trabalhou como empresário de Beth por 15 anos.
A exceção é o pot-pourri “Saco de Feijão/ Corda no Pescoço/ Saudade da Guanabara”, que tem um arranjo escrito especialmente para o projeto, instrumental, com Hamilton de Holanda, Nicolas Krassik, Gabriel Grossi e Marcelinho Moreira. “Os quatro estavam, muito jovens, no primeiro DVD de Beth, em 2004”, recorda Afonso. “Ela amava os músicos, tinha sempre uma relação muito próxima com eles. Quando eu tive a ideia desse encontro, pensei: A Beth gostaria de estar ouvindo isso”.
Outro momento que a cantora certamente gostaria de ver é o de sua filha Luana Carvalho observada por sua vez pela própria filha, neta de Beth cantando “Andança” ao lado dos Golden Boys. “Era uma música que eu já tinha feito uma versão, então sugeri a Afonso de chamarmos os Golden Boys, pra ficar bem o lado familiar do projeto”, conta Luana. “Foi muito emocionante ver lá os meninos, que já não são mais tão meninos lá. Foi uma espécie de portal para aquela época, porque vivi aquilo tudo muito de perto, na coxia. Paulinho [Tapajós, um dos autores de Andança] é meu padrinho, e o Edmundo [Souto, que completa a parceria ao lado de Danilo Caymmi] é meu padrinho de consagração”.
Assim como Afonso, Luana aponta a jovem cantora baiana Agnes Nunes como uma das interpretações mais impactantes da homenagem. Ela cantou “As rosas não falam”. “Ela eleva a música a um lugar diferente, com muita personalidade mas muita singeleza”, diz Luana. “Ela não atravessa o que a música é. Sabe caber num espaço que é dela, mas de um jeito gentil, lindo. Achei lindo aquilo ali. Não que seja melhor do que as outras, o projeto está todo incrível. Mas ela realmente foi uma surpresa. É uma canção difícil, porque a interpretação da Beth é muito intensa. Mas Agnes soube ser forte pela delicadeza”.
Além de celebrar Beth pelo canto, os convidados do “Sambabook Beth Carvalho” louvam a importância da cantora na música brasileira e, sobretudo, seu compromisso com o Brasil. Leci Brandão ressalta “o respeito que ela sempre teve por compositores de escolas de samba e também do Cacique de Ramos”. Ela acrescenta: “Culturalmente, foi um posicionamento muito forte, de uma mulher politizada”. Seu Jorge avança na mesma perspectiva: “Beth Carvalho era conectada com os valores do povo, com os valores da cultura do povo brasileiro, com a agenda política e social do Brasil. Isso ficou muito marcado na escolha de seu repertório”.
Paula Lima destaca sua “brasilidade, emoção, amor pela música e pelo Brasil, a cidadania”. E Teresa Cristina aponta um aspecto que talvez seja a síntese de Beth: “Ela ia atrás do samba. Ia até as rodas de samba, estava presente nas ruas, estava atenta ao que estava surgindo, foi ao Cacique de Ramos, ao Bip-bip. Ela rodou procurando samba, o bom samba, novos compositores. Isso é o mais fascinante dela, essa alegria, essa busca”.
SAMBABOOK BETH CARVALHO
– Onde Nas plataformas digitais
– Autoria Sambabook
– Gravadora Musickeria