BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O caso do banco Master abalou o sistema bancário e deflagrou uma guerra entre as grandes instituições financeiras do país, bancos médios e pequenos, fintechs e plataformas digitais que vendem ativos financeiros.

A disputa põe em xeque uma agenda do Banco Central para aumentar a concorrência entre os bancos e a inovação tecnológica, pauta que nos últimos anos propiciou avanços como a criação de bancos digitais, as chamadas IPs (instituições de pagamento que não são bancos, mas oferecem esses serviços), e o bem-sucedido Pix.

Os grandes bancos de varejo, como Itaú Unibanco, Santander e Bradesco, querem uma reforma ampla do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), instrumento que garante aplicações e depósitos de até R$ 250 mil nos casos de insolvência de instituições financeiras.

Desde o caso Master, que emitiu títulos com alta rentabilidade e garantia do FGC, esse grupo passou a incluir no pacote de reforma do fundo uma proposta de responsabilização e contribuição também de fintechs e plataformas que aumentam o risco do fundo, que hoje não fazem aportes ao fundo, de acordo com pessoas envolvidas nas negociações ouvidas pela reportagem.

No ano passado, os grandes bancos já haviam apresentado ao BC um conjunto de medidas para aperfeiçoar o sistema.

Os concorrentes, por outro lado, consideraram que as medidas podem representar uma barreira à maior competição no sistema bancário brasileiro, considerado altamente concentrado no Brasil, com a maior parte das operações e ativos controlados por um pequeno grupo de grandes bancos.

Nas últimas semanas, um novo ingrediente surgiu. A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) começou a discutir uma proposta de convergência em torno da reforma do sistema com a ABBC (Associação Brasileira de Bancos), que representa interesses de mais de cem instituições de médio e pequeno portes.

No centro da disputa, está o Banco Central, órgão regulador do sistema bancário, que pela primeira vez na semana passada sinalizou publicamente que vai revisar as normas e avaliar o tamanho do FGC.

Os técnicos do BC têm adotado uma postura cautelosa na regulação, com o objetivo de blindar a agenda de eventuais retrocessos.

Esses personagens, no entanto, são pressionados pela crise do Master, que expôs fragilidades no sistema, como a captação pelo banco de recursos com CDBs com alta rentabilidade, usando como marketing a cobertura pelo FGC. O BC tem sido alvo de críticas que veem demora na atuação nesse caso.

Até o anúncio da compra do Master pelo BRB (Banco de Brasília), a disputa era silenciosa, com reuniões no BC com os grandes bancos. Mas o impasse em negociações sobre fatia de ativos do Master acabou acelerando as discussões, uma vez que pôs em alerta os demais participantes do mercado, que têm procurado os reguladores para que também possam entrar no debate.

BANCOS DIGITAIS TEMEM RETROCESSO EM COMPETITIVIDADE NO SETOR

O maior temor dos bancos digitais e das plataformas é que, no rastro do caso Master, os grandes bancos usem a sua força como maiores contribuintes do FGC para aproveitar a situação e tentar garantir um refluxo no ambiente de competição entre as instituições financeiras.

O presidente do BC, Gabriel Galípolo, tem reforçado a interlocutores que não vai deixar que problemas isolados coloquem em risco a agenda de inovação que permitiu, por exemplo, a criação das IPs e do Pix.

A pauta da inovação apareceu em 2016, com o nome de Agenda BC+ e depois reformulada e atualizada para a Agenda BC#, com lançamento em maio de 2019.

Nos últimos anos, o mercado viu, por exemplo, o Nubank ultrapassar o Itaú Unibanco em número de clientes no Brasil. O Itaú é o maior banco do Brasil em ativos.

Entre as grandes plataformas está a XP Investimentos, que pode ser afetada. Ela inovou o modelo de negócio no Brasil ao construir uma plataforma aberta para dar a pequenos investidores acesso a aplicações antes restritas aos grandes.

Nessa disputa, os interesses são difusos até mesmo entre as entidades do setor, que representam diferentes tipos de instituições financeiras, bancos e IPs.

O BTG Pactual, por exemplo, quer fechar negócio com a liquidação privada do Master, mas também tem a área digital que pode ser afetada por eventuais mudanças. O Banco do Brasil e a Caixa, dois bancos do governo federal, estão apartados das negociações.

A Abranet (Associação Brasileira de Internet), que reúne mais de 150 plataformas digitais de investimentos, as fintechs, defende diálogo amplo e responsabilidade institucional.

“Eventuais alterações de regras precisam ser amplamente debatidas, sob pena de enfraquecer a proteção ao pequeno investidor, gerar insegurança regulatória e favorecer um ambiente de reconcentração de investimentos”, afirma a associação.

O Nubank também reforça que qualquer reforma no sistema de contribuição deve ser amplamente discutida, considerando a diversidade do setor, para assegurar a manutenção de um ambiente que estimule a competição e a inovação.

A Febraban não comentou as propostas que estão sendo analisadas, mas ressaltou que as discussões fazem parte de uma agenda que não tem relação com a situação específica de qualquer instituição financeira.

A Zetta, que representa instituições financeiras e de pagamento, diz que a reforma deve levar em conta a diversidade de agentes no mercado e diferenciar práticas responsáveis em matéria de gestão de balanço, sobretudo em termos da qualidade dos ativos mantidos.

Procurados, Caixa, Santander, BTG, ABBC e XP não responderam aos pedidos de informações feitos pela reportagem. O BB sugeriu que a reportagem procurasse a Febraban.