BOGOTÁ, COLÔMBIA (FOLHAPRESS) – Dentro da USP, um núcleo de pesquisas tem ajudado a guiar políticas de saúde pública Brasil afora há algum tempo. Assim como o núcleo cresceu, sua influência também, chegando a outros países. Esse é o Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde), da USP.

Se hoje você já ouviu em algum momento da vida sobre ultraprocessados, é graças às pesquisas realizadas no Nupens. Mas o impacto do núcleo no país vai além; foi dele que saiu o Vigitel (Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico). E é nele que é desenvolvido um grande projeto de pesquisa, com abrangência nacional, o NutriNet Brasil.

O piloto do Vigitel começou em 2003 em São Paulo. A ideia é acompanhar a saúde da população por meio de questionários telefônicos, que servem como base para programas e intervenções de saúde. São feitas perguntas sobre tabagismo, bebidas alcoólicas, peso, consumo alimentar, exercícios, e até mesmo sobre papanicolau e mamografia.

“Tínhamos uma salinha na [Faculdade de] Saúde Pública onde ficavam nossos estudantes. Criamos um software para registrar as entrevistas. Da salinha, a pessoa ia ligando para os números”, afirma Carlos Monteiro, coordenador emérito do Nupens, do qual é cofundador, e um dos pesquisadores a identificar os efeitos dos ultraprocessados na saúde humana.

Monteiro conta que a ampliação do Vigitel teve influência de um encontro ao acaso, em 2005, em um aeroporto com Jarbas Barbosa, atual diretor da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) que, na época, fazia parte do Ministério da Saúde.

“Falei: ‘Jarbas, estamos fazendo um negócio sensacional em São Paulo, mas tem que ser feito no Brasil’”, diz Monteiro.

Em 2006, o Vigitel já estava implantado nas capitais dos 26 estados e no Distrito Federal.

O sistema partiu de uma necessidade sentida nas pesquisas feitas pelo Nupens ao avaliar a tendência temporal dos problemas de saúde no país, segundo Monteiro. “Pensamos: ‘Poxa, tem que esperar dez anos para o IBGE fazer uma pesquisa para vermos como é que as coisas evoluíram, isso é muito tempo’.”

Com o Vigitel, conseguiram um acompanhamento anual e com uma população estudada que espelha a população brasileira.

A ideia do Vigitel surgiu na mente de Monteiro quando ele assistia a uma apresentação em que um pesquisador dos EUA mostrava, em mapas, a prevalência de obesidade nos estados americanos. Os mapas começavam, segundo ele, por volta dos anos 1970/80, e os estados com maiores prevalências eram mais vermelhos.

“Mostrava o mapa americano meio vermelho, meio azul, e de repente vai ficando tudo vermelho, vermelho, vermelho. Falei: ‘Puxa, quero fazer isso para o Brasil um dia. E aí fui ver como é que eles fazem isso’.”

NOVAS INSPIRAÇÕES PARA NOVOS TEMPOS

Um novo projeto em desenvolvimento no núcleo tenta dar os próximos passos para melhor acompanhar e compreender a saúde das pessoas no país.

O NutriNet Brasil, iniciado em 2020, pretende fazer o acompanhamento de 200 mil brasileiros —há cerca de 113 mil inscritos, e você também pode participar, pelo site do projeto—, em todas as regiões do país, em busca da identificação de características de alimentação que causem impactos positivos ou negativos em doenças crônicas.

“Você avalia a alimentação e vai acompanhando o sujeito. A ideia é acompanhar no mínimo dez anos, e já estamos acompanhando há cinco anos”, diz Monteiro, que coordena o estudo. “Dentro do NutriNet Brasil, estamos sorteando um grupo de pessoas para fazer uma intervenção pela internet também. No sentido de a pessoa melhorar a alimentação, reduzir o consumo de ultraprocessados.”

O brasileiro tem que entender que participar de pesquisa é ajudar a ciência. Então, quem quiser entrar e se cadastrar é bem-vindo e ajudaria muito a gente

pesquisadora do Nupens

Nesse braço de intervenção, que deve durar um ano, vão ser observados pontos como ganho de peso e sintomas de depressão.

A inspiração para o NutriNet veio de um projeto da França, de um grupo com quem o Nupens trabalha há algum tempo e com o qual publicou artigos sobre as relações de consumo de ultraprocessados com câncer, depressão, obesidade e diabetes.

Assim como ocorreu com o Vigitel, o projeto surgiu de uma necessidade de pesquisa. O Nupens viu que precisava de enormes grupos de pessoas para lapidar ainda mais suas análises nutricionais que analisam a relação de consumo de ultraprocessados com obesidade —e os diversos outros problemas crônicos—, e é daí que surge a criação do NutriNet Brasil, visando a avaliação de mais de 100 mil brasileiros.

Renata Levy, também pesquisadora do Nupens, classifica a NutriNet Brasil como a atual “pesquisa queridinha” do núcleo.

“O Nutrinet Santé, que é o irmão gêmeo do Nutrinet Brasil, tem 110 mil pessoas sendo acompanhadas há mais de dez anos e num país [a França] que é muito menor que o nosso”, afirma Levy. “O brasileiro tem que entender que participar de pesquisa é ajudar a ciência. Então, quem quiser entrar e se cadastrar é bem-vindo e ajudaria muito a gente.”