VANCOUVER, CANADÁ (FOLHAPRESS) – Tem gente que relaxa fazendo cruzadinha e sudoku, mas Scott Loarie gosta mesmo é de identificar caranguejos no computador.
O biólogo californiano é diretor-executivo de um dos maiores projetos de ciência cidadã do mundo, o iNaturalist, uma espécie de rede social para quem é apaixonado por natureza.
Na plataforma, usuários sem formação acadêmica enviam observações do mundo natural, como fotografias de plantas e insetos, e uma comunidade de cientistas e naturalistas ajuda a verificar ou identificar as imagens. O resultado é uma das maiores bases de dados gratuitas de biodiversidade.
“Fazia muitas caminhadas antes de ter filhos, ia muito longe e observava muita coisa [para a plataforma]. Era bem intenso”, disse Loarie à Folha após uma apresentação no TED 2025, em Vancouver, em abril.
“Agora que fico mais em casa, faço mais identificações [das fotos que os usuários mandam]. E aleatoriamente me especializei em caranguejos”, continuou, rindo. “É uma atividade muito relaxante.”
O iNaturalist pode ser acessado por site ou aplicativo. A plataforma coleciona centenas de milhões de observações, que são utilizadas em milhares de publicações científicas, projetos de conservação e monitoramento de habitats, além de ajudar modelos de inteligência artificial.
Loarie e sua equipe querem criar um “atlas do mundo natural”, ainda que tenham muitos buracos a preencher, como no Brasil.
“Temos fotografias de uma em cada quatro espécies do planeta, e essas que faltam são as mais raras, mais difíceis de alcançar… como na Amazônia, no Brasil. Precisamos de muito mais gente para ter acesso a essas informações”, disse Loarie, que tem o objetivo de alcançar 100 milhões de usuários por ano até 2030. Hoje, são 20 milhões.
Para atingir a marca, a organização quer tornar o aplicativo mais fácil de usar para públicos mais amplos e facilitar as criações de projetos comunitários.
Há também a campanha anual City Nature Challenge, que no Brasil ganhou o nome de Desafio Mundial da Natureza Urbana. O evento começou como uma competição entre Los Angeles e San Francisco, e hoje acontece entre cidades do mundo todo para ver quem registra mais espécies num período curto de tempo. A nova edição começou nesta sexta (25) e vai até segunda (28), com 12 cidades brasileiras cadastradas.
O iNaturalist não tem um parceiro institucional no Brasil, como faz em países da região, mas conta com uma comunidade ativa de brasileiros e mais de cem grupos, como projetos dedicados a borboletas (8.590 espécies observadas), fungi (2.019) e cobras (366).
Loarie diz que a plataforma recebe cerca de 85 mil observações por mês do Brasil de 70 mil usuários. “É um terço [dos usuários] do México, duas vezes do Equador, e quase o mesmo da Colômbia. Temos muito espaço para crescer no Brasil”, disse.
Mesmo com muito trabalho pela frente, o iNaturalist ajuda a descobrir ao menos cinco novas espécies por mês, entre plantas, vertebrados e insetos. Já entre os fungos, há novidades com mais frequência.
“Podemos sair daqui agora e nos deparar com uma espécie nova de cogumelo”, disse Loarie. “É um mundo muito interessante, um grupo muito pouco conhecido.”
Durante seu TED Talk, o biólogo deu diversos exemplos de descobertas, como uma estudante que achou uma nova espécie de borboleta durante uma excursão escolar no Equador. Ou um professor sueco de férias na Nova Zelândia que registrou uma mariposa que se pensava extinta no país havia cem anos.
Ganhador em 2024 do Prêmio Heinz de Meio Ambiente, Loarie tem doutorado em ciências ambientais e estudou o impacto das mudanças climáticas em ecossistemas pelo mundo. Ele trabalhou rastreando passarinhos na América Central e elefantes na África, até resolver largar a academia para se dedicar ao iNaturalist.
O site começou em 2008 como um projeto de mestrado de três alunos da Universidade da Califórnia em Berkeley. Depois, virou uma iniciativa da Academia de Ciências da Califórnia e da National Geographic Society, antes de se tornar uma organização sem fins lucrativos independente, em 2023.
Hoje conta com 20 funcionários e opera com pequenas doações de dezenas de milhares de usuários e grandes doações de instituições, como a Gordon and Betty Moore Foundation.
A relação da plataforma com IAs (inteligências artificiais) é motivo de orgulho e também apreensão. A tecnologia ajuda o usuário na organização e identificação inicial de uma espécie, que é verificada por cientistas e naturalistas antes de virar um dado científico.
“Estamos tornando as IAs boas em natureza”, disse o biólogo. “A comunidade gera informações realmente interessantes que ajudam a ciência e também qualquer um que queira aprender, incluindo a IA.”
Porém, com a facilidade de ferramentas como ChatGPT e Google Lens na identificação, Loarie teme perder a chegada de novos usuários, já que muitos entram no iNaturalist pela primeira vez para identificar uma planta ou animal.
Mas, para ele, a plataforma é muito mais que uma coleção de fotos. É um movimento de pessoas apaixonadas por natureza que, fortalecidas por dados, podem criar estratégias para ajudar o planeta.
Ele cita como exemplo as “bioblitze”, eventos onde as pessoas se reúnem num habitat para fazer um inventário de espécies, gerando informações que podem levar a projetos de conservação. Foi o que fez uma pesquisadora de polinizadores em Minnesota (EUA): ao notar a queda drástica de borboletas e abelhas numa região, trouxe a comunidade para monitorar, arrancar plantas invasoras e plantar flores nativas.
No TED, Loarie alertou para a previsão dos cientistas de que um terço das espécies irá desaparecer até o final do século devido à destruição do meio ambiente e mudanças climáticas. Para ele, a crise da extinção não é tarefa exclusiva dos cientistas.
“É um projeto humano compartilhado”, disse ao público. “Então, da próxima vez que você estiver ao ar livre, pare um minuto para perceber que você faz parte de um ecossistema do qual ainda sabemos muito pouco. E ele precisa da sua ajuda.”