SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O papa Francisco, morto na segunda-feira (21), teve uma relação mais próxima com os petistas Lula e Dilma Rousseff durante seus mandatos à frente do Executivo nacional e mais distante de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), que também presidiram o Brasil durante o último papado.
Com Lula, o papa adotou ações políticas consideradas contundentes, como enviar carta ao petista enquanto este esteve preso em Curitiba. Dilma também já recebeu elogios do pontífice, que chegou a chamá-la de “mulher de mãos limpas”.
A relação com Michel Temer foi marcada pela recusa a uma visita ao Brasil e por uma carta na qual pediu atenção aos “mais pobres” que pagam “o preço mais amargo” por “soluções fáceis e superficiais para crises”, sem explicitar quais seriam estas.
Já a relação com Bolsonaro foi marcada por oposição em duas grandes frentes: o cuidado com o meio ambiente e o respeito ao distanciamento social durante a pandemia de Covid-19, aponta o professor da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos) André Ricardo de Souza, que coordena o Nerep (Núcleo de Estudos de Religião, Economia e Política) da instituição.
O líder religioso esteve à frente da Igreja Católica desde 2013, época em que Dilma exercia seu primeiro mandato.
Relembre como foi a relação entre os últimos presidentes do Brasil e o papa Francisco.
Lula (2023-2026)
Segundo relato do ex-ministro Gilberto Carvalho, a relação de Lula com o papa começou com desconfiança por parte do petista, condição superada após o pontífice enviar uma carta ao petista enquanto ele estava preso em Curitiba.
Em fevereiro de 2020, quatro meses depois de deixar a prisão, Lula visitou Francisco no Vaticano. Ao retornar ao poder no terceiro mandato, o presidente encontrou novamente o papa em junho de 2023, quando recebeu de Francisco uma placa de metal com a mensagem “a paz é uma flor frágil”.
No mesmo ano, o papa deu entrevista a uma TV argentina na qual afirmou que Lula foi condenado sem provas em 2018. O petista tinha sido sentenciado na Lava Jato por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas as condenações foram anuladas posteriormente pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Lula encontrou o papa também em 2024, durante a cúpula do G7 (grupo dos países com as maiores economias mundiais), na Itália. A primeira-dama Janja também esteve algumas vezes com o papa, a última em fevereiro. Ela disse à Folha que Lula sentiu a perda de um “amigo querido, um companheiro de caminhada” com a morte de Francisco.
Jair Bolsonaro (2019-2022)
Um dos focos de tensão entre Francisco e Bolsonaro foi o Sínodo da Amazônia de 2019, quando bispos de vários países da região amazônica falaram sobre evangelização, meio ambiente e proteção aos povos indígenas.
Na época, Bolsonaro afirmou haver “muita influência política” no evento, entendido por ele como uma “ameaça à soberania nacional”. A Igreja Católica rebateu as críticas dizendo que os bispos envolvidos no sínodo estavam sendo “criminalizados” e tratados como “inimigos da pátria”.
Outro ponto que opôs Francisco e Bolsonaro, aponta o professor André Ricardo de Souza, foi a pandemia de Covid-19. O pontífice defendeu a quarentena, enquanto Bolsonaro falava publicamente contra o distanciamento social.
Sobre os ataques do 8 de janeiro de 2023, o papa falou que o episódio fazia parte de uma tendência de enfraquecimento da democracia nas Américas. Apesar da distância entre os dois, Francisco enviou mensagem ao então presidente em razão da morte da mãe ele, em 2022.
Bolsonaro não visitou Francisco durante seu mandato. Ele é o único dos presidentes durante o papado de Francisco que não tem foto com o pontífice. A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, porém, esteve com o papa em 2019 durante encontro de primeiras-damas latino-americanas com a mais alta autoridade da Igreja Católica.
Michel Temer (2016-2019)
Em 2017, o papa Francisco recusou um convite do então presidente Michel Temer para visitar o Brasil. O líder religioso entregou uma carta ao mandatário na qual falou em “crise” paga sobretudo pelos “mais pobres”.
Para André Ricardo de Souza, a recusa foi um “expressivo posicionamento político do pontífice”, que havia se comprometido publicamente a voltar ao país naquele ano em razão das celebrações dos 300 anos da aparição da imagem de Nossa Senhora Aparecida.
Naquela época, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) criticava a iniciativa do então presidente de reformar a Previdência. Temer encontrou o papa em eventos oficiais enquanto ainda era vice-presidente.
Dilma Rousseff (2011-2016)
Dilma estava no primeiro mandato quando Jorge Mario Bergoglio se tornou papa. A petista foi a primeira chefe de Estado a ser recebida por ele depois de sua missa inaugural. Ainda em 2013, eles se encontraram durante a visita de Francisco ao Brasil em razão da Jornada Mundial da Juventude, que ocorreu no Rio de Janeiro.
Na ocasião, Dilma estranhou o estilo informal de Francisco, chamando-o de demagogo, segundo relato do ex-ministro Gilberto Carvalho à Folha. Depois de conhecê-lo pessoalmente, porém, mudou de posição.
“No Rio, o novo papa foi bastante cordial com a então presidente Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores, mas também incentivou os jovens a participarem de manifestações massivas de rua que estavam em ebulição no país”, analisam os pesquisadores André Ricardo de Souza e Breno Minelli Batista em artigo publicado sobre os efeitos do papado de Francisco no Brasil.
Dilma encontrou outras vezes o papa durante viagens ao Vaticano. Em 2023, durante entrevista a uma TV argentina, o pontífice criticou o processo de impeachment, ocorrido em 2016, dizendo que ela era uma “mulher de mãos limpas”.