BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Bacia Foz do Amazonas é de “elevada sensibilidade” ambiental e configura uma situação “inédita para o licenciamento federal”, exigindo “intensa articulação” com o Itamaraty pela proximidade com a Guiana Francesa.
A afirmação consta em um parecer técnico do governo de Jair Bolsonaro (PL), de 2020, à qual a Folha de S.Paulo teve acesso. Este documento é o que permite o novo leilão de blocos de petróleo da margem equatorial, marcado para junho deste ano e que é de grande interesse do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Três integrantes da atual gestão afirmam, sob reserva, que não encontraram registro de que o Itamaraty tenha sido procurado pelos ministérios de Meio Ambiente ou de Minas e Energia, nos últimos cinco anos, como recomenda o parecer elaborado por Ibama (Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis) e ANP (Agência Nacional de Petróleo e Gás).
A Folha de S.Paulo perguntou a esses cinco órgãos se houve, ou não, articulação entre eles.
O Ministério de Minas e Energia disse que a reportagem deveria procurar o Ibama e o Itamaraty.
Já a ANP, subordinada à pasta de energia, afirmou que “discussões relacionadas a questões transfronteiriças envolvendo o Ministério das Relações Exteriores são conduzidas em nível ministerial”.
As outras partes não responderam até a publicação deste texto.
A pressão mais recente para que o Ibama emita a licença ambiental para a Petrobras perfurar o bloco 59 da Foz do Amazonas leiloado em 2013 começou ainda no governo Bolsonaro.
Lula assumiu seu terceiro mandato em 2023 e, a despeito do discurso climático e da resistência da ala ambiental comandada pela ministra Marina Silva, atua forte por este mesmo desfecho.
Pelo período de contratação da sonda para perfuração, abril de 2025 é tido como o limite para os planos da Petrobras de perfurar o bloco 59 e, nos últimos meses, tanto Lula quanto o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, elevaram as críticas ao Ibama.
O instituto já negou essa licença ambiental uma vez, em 2023, sobretudo por problemas na resposta a um possível vazamento o navio de socorro, por exemplo, demoraria 43 horas para chegar ao poço e na proteção da fauna e da flora da região, além das comunidades indígenas e ribeirinhas.
Desde então, a Petrobras melhorou e ampliou sua estrutura no local e construiu uma nova base de cuidado a animais em Oiapoque, no Amapá, estado mais próximo ao bloco 59 e que tem grande interesse no empreendimento. Mesmo assim, há possibilidade de que a licença seja novamente negada.
Se a estatal não conseguir a licença ainda em abril, não haverá tempo para a perfuração do poço com o seu atual navio-sonda até outubro, mês em que vence o contrato com a atual embarcação.
E, caso a Petrobras não consiga essa permissão, integrantes do setor dizem que isso pode afastar concorrentes do leilão de junho e torná-lo um fiasco, colocando em xeque o plano do governo Lula de ampliar a produção de petróleo no Brasil.
“Trata-se de uma nova fronteira exploratória em uma região ambientalmente muito sensível, pouco estudada, e com correntes fortíssimas que potencializam acidentes. Isso vale para o bloco 59 e para os demais blocos, especialmente em face da inexistência de AAAS [avaliação ambiental de área sedimentar]”, diz Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.
AAAS é uma avaliação (não obrigatória) de impacto ambiental de toda a região, não apenas de um empreendimento específico, cuja ausência é um dos argumentos do Ibama para não autorizar a exploração integrantes do órgão afirmam sob reserva que, se houvesse este documento, a licença provavelmente seria concedida.
O leilão de junho tem 47 blocos da Foz do Amazonas, a mesma bacia do 59 que fica, porém, mais próximo da fronteira brasileira do que os que serão oferecidos.
Na avaliação que liberou estes novos blocos, sob o governo Bolsonaro em 2020, os técnicos afirmam que a “localização tende a gerar trajetórias de derramamento que levem o poluente para águas jurisdicionais da Guiana Francesa e demais países da costa equatorial sul-americana”.
O documento pondera ainda que o diálogo com outros países pode fazer a análise do licenciamento ambiental ser mais demorada que o esperado. Além disso, afirma que a região é de difícil acesso, o que pode dificultar estratégias de resposta a emergências.
“Essa situação é inédita para o licenciamento federal”, diz a nota técnica. “[Por isso,] sugere-se o início da articulação com o Ministério das Relações Exteriores o mais cedo possível.”
O documento cita uma série de preocupações que devem ser levadas em conta no licenciamento, por exemplo as fortes correntes marítimas da região, que podem dificultar ou até inviabilizar as estratégias de combate a um possível vazamento.
Os técnicos ressaltam que o litoral do norte do país é de “alta sensibilidade ambiental” e lembram que a costa abriga grande parte do Parque Nacional do Cabo Orange, unidade de conservação federal.
Há “manguezais, unidades de conservação, recursos pesqueiros, recifes de borda de plataforma e mamíferos marinhos”. Portanto, afirmam, empreendimentos na região representam uma “problemática ameaça” à fauna e à flora.