SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A decisão proferida pelo ministro Alexandre de Moraes na quinta-feira (24) para negar recurso apresentado pela defesa de Fernando Collor de Mello e mandar prender o ex-presidente baseia-se em um entendimento restritivo do STF (Supremo Tribunal Federal).

Monocraticamente, ele considerou “protelatório” o pedido que os advogados de Collor fizeram de revisão da condenação a 8 anos e 10 meses de reclusão -a serem cumpridos inicialmente em regime fechado- imposta pelo tribunal ao ex-chefe do Executivo em 2023.

Moraes determinou o cumprimento imediato da pena, ordenando a prisão do ex-presidente, detido na madrugada desta sexta-feira (25).

Especialistas em direito penal ouvidos pela reportagem afirmam que, embora tenha adotado interpretação restritiva, o ministro agiu dentro da sua competência. Outros dizem que Moraes se antecipou e contestam que os recursos tivessem sido feitos apenas para adiar o cumprimento da pena.

O STF condenou Collor em 2023 pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O ex-presidente foi denunciado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) sob acusação de receber R$ 20 milhões para intermediar contratos irregulares entre a BR Distribuidora, antiga subsidiária da Petrobras, e empreiteira UTC Engenharia.

A defesa recorreu usando um tipo de recurso chamado embargos de declaração -que serve para esclarecer pontos da decisão. Os advogados argumentaram que a pena que lhe fora imposta não seria correspondente ao voto médio apurado no julgamento. A tese foi rejeitada no ano passado por 6 votos a 4.

Os representantes do ex-presidente entraram então com um novo recurso denominado embargos infringentes -cabíveis quando é proferida uma decisão desfavorável ao réu e existem, no mínimo, quatro votos divergentes. Essa classe de recurso permite rever o ponto controvertido.

“O Supremo Tribunal Federal tem uma jurisprudência muito firme no sentido de que só cabem embargos infringentes se a decisão for de mérito: mais especificamente, pelos precedentes, só seriam cabíveis os embargos infringentes se houvesse quatro votos pela absolvição”, afirma Renato Vieira, ex-presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).

Essa é a fundamentação usada por Moraes na decisão de decretação de prisão. O STF condenou o ex-presidente por 8 votos a 2 quando julgou a ação penal. Apenas os ministros Gilmar Mendes e Kassio Nunes Marques votaram pela absolvição. Portanto, o recurso não deveria ser admitido. O ministro nem analisa o mérito.

Vieira não concorda com esse entendimento, mas considera que o ministro não fugiu do que a corte já vinha decidindo. “Moraes encampou um entendimento bastante restritivo da Suprema Corte quanto ao âmbito de aplicação dos embargos infringentes e quanto à observância de se aguardar o trânsito em julgado para o início de cumprimento de pena.”

Luísa Ferreira, professora de direito penal da FGV Direito SP, afirma, por outro lado, que esse tema não é tão pacificado. “Existe hoje um entendimento, que é esse sobre o qual o ministro Alexandre de Moraes se ampara, mas ele não é unânime. O Supremo de tempos em tempos enfrenta essa questão.”

Segundo ela, o fato de existir uma controvérsia a respeito de quantos votos e de que tipo de votos são necessários para construir uma divergência que justifique aquele tipo de recurso deveria ter levado Moraes a resolver a questão no colegiado, em vez de individualmente.

Além da negativa do recurso, o magistrado pediu uma sessão virtual extraordinária do plenário da corte para os ministros deliberarem sobre a decisão. Na manhã desta sexta, Gilmar pediu destaque, suspendeu o julgamento e o levou para ser discutido no plenário físico do tribunal, em data ainda não definida.

A professora da FGV ressalta o uso do mecanismo. “Ele [Gilmar] está indicando que quer discutir um pouco mais. Então, não é uma questão absolutamente incontroversa”, diz ela, que também critica o enquadramento do recurso como medida protelatória. “Não estamos no 20º embargo.”

Na opinião da criminalista Flávia Rahal, também professora da FGV Direito SP e sócia do Rahal, Carnelós e Vargas do Amaral Advogados, não havia por que qualificar os embargos como protelatórios, visto que a defesa estava exercendo o papel que lhe cabe, usando um instrumento previsto em lei. “O argumento utilizado na decisão do ministro Alexandre de Moraes, na minha opinião, não tem fundamento”, afirma.

A especialista também diz que, com a rejeição do recurso e a decretação da prisão, o ministro se antecipa. “Essa ordem que poderia muito bem ter sido executada depois de eventual referendo pelo pleno.”

Tatiana Stoco, professora de direito e processo penal do Insper, afirma que considerar um recurso uma forma de postergar a decisão -quando ficar claro ser este o objetivo- é algo comum, especialmente nos tribunais superiores.

Para ela, mais do que um uso restritivo da regra, Moraes a aplicou de forma pragmática. “Não vejo aqui nenhum espaço para discussão. Não houve quatro votos absolutórios. Não deve assustar essa questão de expedir o mandado [de prisão] imediatamente, porque já que ele disse que não caberia mais nada, independente da publicação da decisão. Ninguém precisa se assustar com isso”, diz Stoco, embora ressalve que o ministro poderia ter aberto espaço para mais recursos, para não haver dúvidas.