SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As doações para a cerimônia de posse de Donald Trump, realizada em 20 de janeiro, bateram um recorde: foram US$ 239 milhões, segundo prestação de contas feita pelo republicano. A maior contribuição para o governo “América em Primeiro Lugar”, porém, veio da subsidiária de uma empresa brasileira.

Marca da JBS, a Pilgrim’s Pride fez a maior doação: US$ 5 milhões, de acordo com relatório apresentado à Comissão Federal Eleitoral (FEC, na sigla em inglês). A empresa é uma das maiores produtoras de aves do mundo -quase 1 em cada 6 frangos nos EUA vem da Pilgrim’s, segundo site da empresa.

Nesta semana, a JBS anunciou que a SEC (a Comissão de Valores Mobiliários americana) autorizou a dupla listagem da empresa nos EUA -um plano que a gigante brasileira perseguia há anos, mas que sofria forte resistência de parte do meio político, do agro americano e de organizações ambientais.

Em março, a secretária de Agricultura dos EUA, Brooke Rollins, anunciou que instruiu o serviço de inspeção e segurança alimentar (FSIS) a prorrogar as autorizações que permitem que as instalações de carne suína e de aves mantenham velocidades de linha de produção mais altas.

“Além disso, o FSIS não exigirá mais que as plantas submetam dados redundantes sobre segurança dos trabalhadores, já que pesquisas extensas confirmaram que não há ligação direta entre a velocidade de processamento e lesões no local de trabalho”, diz a pasta em comunicado.

A reportagem questionou a JBS o que motivou a empresa a fazer uma doação substancial à posse de Trump. “Como uma empresa alimentícia com sede nos EUA, a Pilgrim’s tem uma longa tradição bipartidária de participação no processo cívico”, respondeu Nikki Richardson, responsável pela área de comunicação corporativa da JBS USA.

Segundo ela, lideranças executivas da companhia participaram da cerimônia.

Depois da Pilgrim’s, o segundo lugar no ranking de doadores para a posse de Trump é ocupado pela Ripple Labs, do setor de criptomoedas, com uma doação de US$ 4,9 milhões. A petroleira Chevron e a plataforma financeira Robinhood empatam em terceiro lugar, com US$ 2 milhões cada.

Completam o top dez uma associação de lobby pró-vaporizadores (Vapor Technology Association), os bancos de investimento Cantor Fitzgerald e JPMorgan e o gigante de logística e entregas Fedex.

Um total de 90 doadores, entre empresas e associações, repassaram US$ 1 milhão à cerimônia de posse de Trump. Estão nesta categoria muitas empresas de tecnologia, cujos CEOs foram destaque na cerimônia, como a Amazon (representada pelo bilionário Jeff Bezos no evento) e o Google (representada pelo CEO Sundar Pichai).

Integram também o grupo as farmacêuticas Bayer e Pfizer, o McDonalds, a aérea Delta e a cervejaria Anheuser-Busch, da AB InBev.

O total arrecadado por Trump para a posse em 2025 é mais do que o dobro do que o levantado por ele na posse de 2017 (US$ 107 milhões), o recorde anterior. Os ex-presidentes democratas também passaram longe da cifra. Na posse de Joe Biden, em 2021, ainda na pandemia, as doações somaram US$ 61 milhões.

A primeira posse de Barack Obama, em 2009, levantou US$ 53 milhões.

“A razão pela qual Trump arrecadou tanto é, em grande parte, porque ele é um presidente muito transacional”, diz à reportagem o cientista político Jonathan Hanson, professor da Universidade de Michigan.

“Trump demonstra uma disposição clara de fazer acordos, de usar o poder do governo federal para recompensar quem o apoia e punir quem não o apoia. Muitas empresas e empresários perceberam isso e usaram a oportunidade da posse para basicamente dar dinheiro a Trump, para manterem-se em sua boa graça.”

A legislação americana proíbe a doação de estrangeiros para comitês de posse presidencial. Não há limite de valor. Os comitês de posse devem divulgar todas as doações superiores a US$ 200 recebidas, mas não são obrigados a revelar seus gastos.

Em geral, o dinheiro é utilizado para custear cerimônias, jantares, desfiles e bailes. Neste ano, porém, em razão das temperaturas baixas em Washington na época, os planos precisaram ser alterados —o tradicional desfile, por exemplo, foi cancelado. De acordo com pessoas ouvidas pelo New York Times, parte dos excedentes será direcionada a um fundo para criação de uma biblioteca presidencial para Trump após ele deixar o governo, prática comum nos EUA.

Parte significativa do total arrecadado neste ano foi por meio também de doadores individuais. De acordo com o relatório, 70 pessoas doaram US$ 1 milhão ou mais. Integram esse grupo CEOs de big techs como Tim Cook (Apple) e Sam Altman (OpenAI).

Mas no topo do ranking de doares individuais está o bilionário Warren Stephens, nomeado por Trump para o cargo de embaixador dos EUA no Reino Unido. Stephens doou US$ 4 milhões.

O segundo e o terceiro lugares nesta lista também são ocupados por pessoas que ganharam um cargo no governo. A investidora Melissa Argyros (doação de US$ 2 milhões) foi indicada para embaixadora na Letônia. Com uma doação de valor equivalente, o bilionário Jared Isaacman foi escolhido para comandar a Nasa.

Hanson relembra que casos semelhantes já ocorreram no passado. Em sua avaliação, porém, a influência do dinheiro na política vem crescendo desde a decisão da Suprema Corte conhecida como “Citizens United”, de 2010. “Essencialmente, a Suprema Corte equiparou doações monetárias e gastos com política à liberdade de expressão.”

Por isso, afirma o cientista político, é muito difícil criar qualquer regulamentação ou fiscalização dessas doações, porque isso poderia ser entendido como uma restrição à liberdade de expressão.

“O que estamos vendo é um presidente disposto a levar isso mais longe do que qualquer um antes dele.”