SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na rua Fradique Coutinho, zona oeste de São Paulo, uma porta se abre para uma sala com duas grandes fotografias em cada ponta o espaço da galeria de um lado e o ateliê de Paulo Pasta de outro. A exposição do artista, “Viagem ao Redor do meu Quarto”, inaugura, neste sábado (26), o novo anexo da galeria Almeida & Dale, agora sob direção criativa de André Millan.
A mostra marca um retorno da parceria entre o artista e o galerista, que se estende por décadas, e ressurge agora num momento de revisão tanto da pintura quanto do próprio sistema de arte.
“O meio de arte está, a cada dia que passa, ocupando o espaço da arte. E é justamente contra isso que eu me coloco”, diz o diretor, distinguindo todo o aparato que a cerca. “Por isso que o Paulo está aqui.”
Para Millan, o trabalho de Pasta exige tempo, atenção, silêncio tudo aquilo que falta no circuito atual. “É um trabalho que está na atmosfera, materializado no papel ou no tecido, mas que está aqui, no meio. Quando ele pinta, ele está deslocando o ar”, diz. “O trabalho do Paulo tem essa coisa de ir, vir e de aparecer e desaparecer.”
Diante da impressão de serenidade de seus trabalhos e em meio ao desejo de incorporar o processo de construção de suas obras, o artista exibe um conjunto singular que ilumina discussões sobre a pintura e a incorporação do ateliê em sua obra.
“Foi muito surpreendente perceber como o espaço da galeria se parecia com o meu ateliê”, afirma Pasta. “Isso detonou uma série de reflexões sobre como o lugar onde trabalho se infiltra nas minhas pinturas. A escada, as vigas, a arquitetura. Tudo isso entra no meu trabalho como sugestão, como espelhamento.”
Essa noção de espelhamento com o ateliê é central para a exposição, composta majoritariamente por obras sobre papel suporte que, para o artista, oferece uma resposta mais imediata ao gesto do pintor. “No papel, entre o pensamento e a ação, não tem intervalo. Ele absorve, responde rápido. E essa velocidade faz com que o processo fique mais vivo, mais visível”, diz.
Ao contrário de seus conhecidos trabalhos com traços precisos e cores densas, as obras exibidas revelam um Paulo Pasta mais permeável, dando a ver o inacabado, o erro ou “pentimento”, como prefere dizer, evocando o termo técnico para camadas corrigidas de pintura. “Quis deixar essas marcas à mostra. A gota que escorre, a fita que deixa seu traço, o gesto incerto.”
A exposição, com trabalhos iniciados logo após a mostra de Pasta no Instituto Iberê Camargo, em Porto Alegre, no fim de 2023, traz ainda reflexões sobre a história da pintura. Pasta menciona artistas como Henri Matisse, Giorgio Morandi e Alberto Giacometti para sublinhar a importância do ateliê como repertório pictórico.
“Giacometti dizia que há mais mistério num copo dágua sobre a mesa do que numa viagem à Índia. Eu também acho. O mistério está nas coisas próximas. O que está próximo, o que te circunscreve, aquilo que parece que é o circunstancial é também o infinito.”
Longe de migrar para a tridimensionalidade ou para o corpo, como fizeram Hélio Oiticica e Lygia Clark cujos trabalhos admira, Pasta reafirma sua devoção à superfície do quadro. “Não quero espacializar. Quero resolver o quadro. Eu adoro o quadro. E isso é infinito, porque a pintura rebate em você, transforma sua poética, sua sensibilidade.”
Para ele, a exposição é menos sobre o que se pinta e mais sobre como se pinta. “É no como que a liberdade acontece. É ali que me reconheço”, afirma.
André Millan vê na exposição uma afirmação dessa liberdade e um resgate do que chama de foco na arte e não no mecanismo que a cerca, composto por museus, galerias, marchands e colecionadores. “Por isso que no meu trabalho na galeria eu comprei essa briga, de tentar manter o foco na arte e não no meio de arte. Porque ele está ocupando o lugar da arte, que está cada vez mais comprimida. Quando você dá liberdade ao artista, isso reverbera no mercado”, afirma.
Pasta, por sua vez, traduz sua pintura como extensão vital. “Desde cedo, o que me fez ganhar identidade no mundo foi o fato de eu querer ser pintor.” Para ele, a pintura é um exercício de ampliação do mundo interior. E, ao abrir a porta de seu ateliê para o público, convida o espectador a atravessar essa mesma cortina não para vê-lo, mas para ver-se através do gesto, da cor e do tempo suspenso sobre a tela.
VIAGEM AO REDOR DO MEU QUARTO
– Quando Seg. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 11h às 15h. De sáb. (26) a 14 de junho
– Onde Almeida & Dale r. Fradique Coutinho, 1.360, São Paulo
– Preço Grátis