BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) em programas e projetos públicos que não passam pelo Orçamento Geral da União aponta que esse tipo de despesa reduz a credibilidade da política fiscal, aumenta a dívida acima das projeções e impacta a curva de juros, afetando o custo de investimentos de longo prazo.
A realização da auditoria foi determinada no ano passado pelo ministro Vital do Rêgo, atual presidente da corte. À época, ele determinou que fossem verificados os meios usados pela União para executar essas despesas, avaliar os impactos e a conformidade com a legislação. Como Vital do Rêgo assumiu a presidência, a relatoria passou ao ministro Bruno Dantas.
A auditoria identificou ao menos quatro tipos de receita que não são recolhidas à conta única do Tesouro Nacional, ligadas ao auxílio-gás, às ICTs (Instituições Científicas e Tecnológicas), às fundações de apoio às universidades públicas e à relação da AGU (Advocacia-Geral da União) com o CCHA (Conselho Curador de Honorários Advocatícios).
Entre as despesas ou o financiamento de políticas públicas com esses recursos, o TCU apontou o uso de fundos privados em políticas públicas (como o Pé-de-Meia, programa de bolsas também alvo do TCU em outro processo) e o uso de fundos públicos para a concessão de crédito (a nova faixa do Minha Casa, Minhas Vida é um deles).
A conclusão do TCU é a de que o mecanismo cria antagonismo entre as políticas fiscal e monetária, criando cenário para aumento de juros, alteração no câmbio e impacto na inflação. O perfil da dívida pública também muda, com novos prazos ou alteração nos indexadores dos títulos, afirma o órgão.
Nesta quarta (23), um painel realizado no tribunal apresentou à equipe econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) os resultados da análise.
O Ministério da Fazenda disse, em nota, que as operações realizadas com fundos públicos são previstas na legislação e que são “instrumento legítimo e tradicional da política fiscal”. A pasta afirmou também que o mecanismo é usado há 20 anos para viabilizar ações estruturantes e que elas obedecem, além dos marcos orçamentários, parâmetros definidos pelo FMI (Fundo Monetário Internacional).
Durante o painel, o secretário-executivo Dario Durigan, da Fazenda, defendeu que a responsabilidade fiscal é uma diretriz do governo federal e que a pasta é uma das principais interessadas nas gestão orçamentária e financeira do país.
Do governo, também foram convidados a participar da audiência no TCU os secretários Rogério Ceron, do Tesouro Nacional, Clayton Luiz Montes, do Orçamento Federal, o diretor de programas da Secretaria de Orçamento Federal, Victor Reis de Abreu Cavalcanti, o consultor jurídico do Ministério do Planejamento e Orçamento, Jurandi Ferreira de Souza Neto, e o presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Aloizio Mercadante.
Mercadante defendeu durante o painel que o BNDES tem registrado lucro real e “uso criterioso e justificado dos instrumentos de subsídio público”. Do lucro consolidado de R$ 26,38 bilhões registrado em 2024, apenas 6,5% teve origem em linhas de crédito com subsídio, disse o presidente do banco.
O TCU inclui o BNDES na auditoria pela transferência de recursos públicos para a concessão de crédito privado, que na avaliação da corte pressionaria a base monetária.
Mercadante disse, na audiência, que o banco não tem lucro com taxas incentivadas, somente com o spread das operações, assumindo integralmente o risco de crédito.
“As despesas financeiras relativas aos fundos são registradas no orçamento e os dados de todas as operações contratadas são publicados com transparência no site do BNDES”, diz o banco, em nota.
Também participaram do painel o senador Efraim Filho (União Brasil-PB), presidente da Comissão Mista de Orçamento, e os deputados federais Isnaldo Bulhões (MDB-AL), relator do projeto da LOA (Lei Orçamentária Anual) para 2026, e Carlos Zaratini (PT-SP), relator do projeto da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para 2026.
Agora, a previsão é que todos os órgãos sejam notificados das conclusões preliminares da auditoria e recebam prazo para manifestações antes da conclusão do relatório final, que será enviado para o relator. Depois, o resultado da auditoria será levado à análise do plenário.
O Ministério do Planejamento disse que não vai comentar. AGU foi procurada, mas ainda não respondeu.
O teor do painel desta quarta-feira pegou de surpresa o governo, pois não seguiu o rito de outras auditorias, segundo apurou a reportagem. Na audiência, a apuração da corte de contas foi tratada como em fase final, mas até a manhã desta quarta, nenhum dos órgãos havia sido chamado a explicar quaisquer programas ou ritos.
O relatório não trouxe, na avaliação de participantes, apontamentos técnicos ou potenciais violações à legislação. A avaliação de que esses mecanismos de receita e de despesas tenham efeito sobre juros, câmbio e inflação foi vista como política, e não técnica.