BELÉM, AL (FOLHAPRESS) – O MPF (Ministério Público Federal) no Amapá prorrogou por um ano o inquérito civil público que investiga possível violação de direitos de povos indígenas da região de Oiapoque (AP) em razão da almejada exploração de petróleo no chamado bloco 59, que fica em alto-mar, a 160 km do ponto mais ao norte da costa brasileira, na linha de Oiapoque.

No despacho que prorroga a investigação, assinado em 6 de abril, a Procuradoria da República afirmou que existe risco de danos à pesca artesanal na capital Macapá –o que inclui o arquipélago de Bailique, segundo o MPF– e em Santana, cidade vizinha.

Bailique é composto por oito ilhas, e cerca de 13 mil pessoas vivem em 57 comunidades banhadas pelo rio Amazonas, segundo números divulgados pelo Governo do Amapá. Boa parte dessas pessoas depende da pesca artesanal numa região de foz do rio, com crescente salinização da água doce em razão de aspectos associados às mudanças climáticas.

O impacto à pesca está associado a um risco de derramamento de óleo diesel e de fluidos de perfuração na rota de embarcações de apoio ao empreendimento no bloco 59, na Bacia Foz do Amazonas, conforme citado no documento do MPF.

Segundo a Procuradoria, a identificação de potenciais impactos à pesca em cidades mais distantes de Oiapoque foi contemplada no EIA (estudo de impacto ambiental) do projeto. Mas isso não levou à inclusão desses territórios na chamada área de influência do empreendimento, o que é uma “incongruência”, conforme o MPF.

Os impactos à pesca são considerados de “alta magnitude”, segundo documentos do licenciamento ambiental.

A Procuradoria da República no Amapá recomendou que a Petrobras, dona do empreendimento, inclua Macapá, Bailique e Santana na área de influência da exploração de petróleo, em razão dos riscos existentes para a pesca artesanal.

A recomendação também foi direcionada ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), para que faça exigências nesse sentido.

A reportagem questionou Petrobras e Ibama sobre as recomendações do MPF, divulgadas nesta terça-feira (22), e aguarda uma resposta.

“Apesar de o Ibama ter solicitado expressamente a revisão da área de influência, a resposta da empresa foi de que ‘não foram verificadas alterações na área de influência em função da revisão da avaliação de impactos’”, disse o MPF.

“A análise realizada pelo Ibama acerca da resposta apresentada pela empresa deixou de tecer quaisquer considerações sobre os municípios de Macapá e Santana”, afirmou.

A Procuradoria recomendou ainda que a Petrobras faça o chamado ECI (estudo de componente indígena), e que estudo semelhante seja feito em relação a comunidades quilombolas, ribeirinhas e de pescadores que possam ser impactados pelo empreendimento de petróleo.

Devem ser feitas consultas prévias e livres a essas comunidades, antes de “qualquer atividade de exploração relacionada ao objeto do licenciamento”, recomendou o MPF.

A Petrobras quer fazer essas consultas somente na fase de produção de óleo, e não nesse atual estágio do empreendimento, em que a estatal busca licença do Ibama para explorar o potencial de petróleo no bloco 59, que fica na margem equatorial brasileira.

Segundo o MPF, as exigências feitas não são causa para um indeferimento de licença. O que se pede é uma complementação dos estudos para “identificar as medidas mitigadoras e compensatórias apropriadas”. “Não há que se falar em má-fé, insegurança jurídica ou desproporcionalidade geradas pela conduta do Ibama.”

O presidente Lula (PT) pressiona para que a licença seja concedida e passou a intensificar os discursos a favor do empreendimento. Lula já chamou a análise feita pelo Ibama de “lenga-lenga”.

Vão na mesma linha o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo Lula no Congresso.

A expectativa de que o Ibama vai expedir a licença, diante do avanço do processo do licenciamento, gerou uma movimentação de diferentes atores do empreendimento em Oiapoque, além de um avanço de fluxos migratórios e ocupações de casas em áreas verdes da cidade.

Já são feitos treinamentos de resgate de animais que venham a ser impactados por óleo na região de Oiapoque, com presença de embarcações adaptadas para a coleta de animais, em caso de vazamento na plataforma.

Na região de Oiapoque está o Parque Nacional do Cabo Orange, o ponto extremo do Amapá que invade o oceano Atlântico. O parque, administrado pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), se estende por 590 km de litoral. É um gigante berçário de peixes, uma área de mangue e floresta que garante a sobrevivência de milhares de pescadores.

A unidade está no ponto de contato entre o rio Oiapoque e o oceano. Pode ser considerada como a porção de terra mais próxima do bloco que a Petrobras pretende perfurar.

Além da presença dos barcos, a Petrobras constrói uma unidade de estabilização e despetrolização de animais em Oiapoque, na BR-156. A licença para a construção da unidade foi concedida em dezembro pela Secretaria do Meio Ambiente do governo do Amapá.

Lideranças indígenas da região dizem que existe uma pressão da Petrobras para que o empreendimento seja aceito pelas comunidades.

Os ciclos das marés influenciam a vida de boa parte dos 12 mil indígenas, de quatro etnias, que vivem em três territórios demarcados na região de Oiapoque. Esses indígenas foram ignorados pela estatal e não houve um processo de consulta às comunidades —são 66 aldeias ao todo.

As modelagens feitas pela Petrobras sustentam que, em caso de vazamentos, o óleo não tocaria a costa brasileira —isso poderia ocorrer com a costa de oito países e dois territórios da França, vizinhos do Brasil e no Caribe, conforme essas modelagens.