SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Moradores da favela do Moinho, na região central de São Paulo, realizaram um protesto nesta terça-feira (22) contra o plano da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) de desocupação do terreno. No mesmo dia, as primeiras famílias que aceitaram sair da comunidade realizaram as suas mudanças.
Desde a última sexta-feira (18), a área localizada entre duas linhas da CPTM ficou com sua principal via de acesso bloqueada por viaturas da Polícia Militar. Segundo a PM, o objetivo da medida era deixar espaço para caminhões contratados pela CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo).
Como consequência do cerco, vans de transporte escolar, carros de aplicativo, entregadores e veículos de moradores não podiam entrar na comunidade. Residentes dizem que a presença da polícia pressiona os moradores a aceitar a oferta do governo. A Polícia Militar nega essa relação. O órgão de segurança da gestão Tarcísio diz ter realizado incursões na favela para combater o tráfico. Uma pessoa foi presa na sexta-feira.
A Folha de S.Paulo chegou à comunidade às 5h20 desta terça e conversou com pessoas que estavam saindo para trabalhar ou levar crianças à escola. Todos relatam medo ou transtornos provocados pelo cerco policial.
O protesto ocorreu de forma pacífica, embora contasse com um pequeno grupo mais resistente. Eles chegaram a tentar impedir a entrada de funcionários da CDHU na favela, mas a liderança da comunidade negociou o acesso dos servidores.
Segundo CDHU, 11 famílias tinham a mudança agendada para esta terça. Logo após as negociações, o número caiu para 10 duas desistiram e uma pediu para antecipar. Oito famílias já haviam deixado o local, com caminhões cedidos pela CDHU ou por conta própria, no início da tarde.
Os primeiros caminhões chegaram à comunidade às 7h50. Josefa Flor da Silva, 74, tinha mudança agendada para esta quarta-feira (23), mas decidiu antecipá-la.
Beneficiária do BPC (Benefício de Prestação Continuada) do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), ela tem renda de R$ 1.518 e mora com dois netos adolescentes que não trabalham. Receberá o complemento de R$ 800 para pagar um aluguel de R$ 1.000 em Itaquera, na zona leste. “Vai ser perto do estádio do Corinthians”, conta, sobre o bairro que ela não conhece ainda.
A futura casa tem mais espaço do que a atual moradia, uma construção de três cômodos distribuídos em três andares de alvenaria sem revestimento. O imóvel foi construído com o dinheiro que ela ganhou como carroceira, quando conseguia trabalhar, ao longo de 25 anos morando na favela.
Josefa está ansiosa para o momento em que receberá a chave definitiva do apartamento da CDHU, que também será na zona leste. “Se eu pegasse a minha chave, acho que ia me dar um infarto” diz.
A família espera ficar no aluguel cerca de 90 dias. Depois, irá para um apartamento comprado de um terceiro, em Cidade Tiradentes, por intermédio de uma imobiliária indicada pela CDHU. Vizinhos aplaudiram dona Josefa no momento em que a mudança teve início. Dizem que a favela não será a mesma sem ela.
A família do motorista Claudevan Silva Marques, 32, foi a primeira a ser retirada pela CDHU. Com a esposa, Bárbara, 28, ele morava na favela desde 2011.
O casal tem duas filhas, Isabela, 6, e Celina, 1 ano e 11 meses. A mais velha tem consultas médicas e tratamento fonoaudiológico na região central. As meninas também frequentam escolas próximo da favela. Por isso, a família optou um lugar para morar perto do centro.
A opção tem um custo elevado. Com um desconto dado pelo patrão de Claudevan, eles conseguiram alugar um apartamento próximo da empresa, no Bom Retiro. Mesmo com o auxílio de R$ 800, a conta não será fácil. O salário dele é de R$ 2.300 e o aluguel custa R$ 1.700, com mais R$ 380 de condomínio. Ou seja, a família terá pouco mais de R$ 1.000 para outras despesas mensais.
A previsão é que a família receba o auxílio por um ano e meio. Depois disso, eles devem se mudar para um conjunto habitacional que está sendo construído na avenida Parada Pinto, na Vila Nova Cachoeirinha, zona norte.
Ele concordou em deixar sua casa, que ocupava na parte de cima de um sobrado, com janelas viradas para a linha férrea. No apartamento para onde mudaram, com uma metragem maior, terão a mesma distribuição da antiga casa: dois quartos, sala, cozinha e banheiro.
Bárbara lembra quando o casal se conheceu e ainda morava em um barraco de madeira, comprado em 2011. “A gente construiu em alvenaria a partir de 2013, com muito esforço tanto para a construção quanto para levantar o dinheiro para fazer a obra”, diz.
Ela relata que o temor deles e de outros moradores é não conseguir pagar as prestações e ter de voltar para uma favela ou ocupação e reconstruir tudo do zero.
À frente do plano da gestão Tarcísio para reassentar os moradores da favela do Moinho, o secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Marcelo Cardinale Branco, afirmou na semana passada, que o risco de morte e a insalubridade presentes na comunidade, que fica na região central da cidade de São Paulo, são incompatíveis com a atual política urbana estadual.
A proposta, porém, tem recebido críticas de opositores do governo e de moradores descontentes com as condições oferecidas. As principais reclamações são de que os residentes estariam sendo pressionados a aceitar imóveis em locais distantes e com valores de financiamento além da capacidade financeira deles.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Branco rejeitou tais alegações. Refutou também acusações de que a motivação do governo seja a valorização imobiliária da vizinhança do futuro centro administrativo estadual, nos Campos Elíseos, também na região central.
Nesta terça, a gestão do governador criticou a ausência de apoio do governo Lula (PT) na oferta de habitação para moradores da favela, uma vez que o terreno pertence à União.
Após a remoção da comunidade, o governo paulista prevê a instalação de um parque e uma nova estação de trem para atender o bairro Bom Retiro. Para isso, a gestão discute com a União a cessão gratuita da área para o estado.
Na semana passada a SPU (Secretaria de Patrimônio da União) emitiu uma nota na qual diz que não aceita a demolição das casas até o fim das negociações. Além disso, pede ao estado que melhore suas ofertas quanto aos valores de auxílio moradia e de crédito.
Secretário da habitação, Marcelo Cardinale Branco afirmou que a demolição ou ao menos a descaracterização das casas, com as retiradas de telhados e portas, é necessária para evitar que os imóveis sejam reocupados. Ele criticou a posição da União sobre o tema.
“Eu gostaria muito de que a União, que é dona do terreno, garantisse que não vai ter nenhuma reinvasão”, diz. “A União, que de toda forma, se manteve longe disso, não quer garantir coisa nenhuma.”
Vinculada ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, a SPU afirma estar em diálogo permanente com o governo paulista para encontrar uma solução para as mais de 800 famílias que moram na favela.
Sobre o pedido de cessão da área, a pasta afirma que o processo está “condicionado à garantia do direito à moradia das famílias que vivem no local” e, por isso, não tem data.
“A SPU também aguarda a entrega do detalhamento do projeto a ser implantado na área pelo governo de SP, a fim de que seja definido o instrumento de destinação a ser utilizado. Somente após esse acordo será possível avançar nos trâmites administrativos para a formalização do contrato de cessão”, afirma.