BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O deputado Alfredo Gaspar (União Brasil-AL) foi escolhido para ser o relator do pedido de suspensão da ação penal contra o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) no caso da trama golpista de 2022.

A decisão gerou contrariedade entre governistas, que enxergam na tramitação dessa matéria possibilidade de a oposição trabalhar para beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Nos bastidores, parlamentares alinhados ao governo Lula (PT) dizem que a proposta deve dividir a Câmara entre oposicionistas e governistas e tende a representar um termômetro da adesão da Casa ao projeto que anistia os envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023 e pode se estender a Bolsonaro.

Gaspar é considerado bolsonarista e atua fortemente na oposição ao governo Lula. Recentemente, ele foi um dos deputados que assinaram o requerimento de urgência do projeto da anistia.

Ramagem se tornou réu pelo STF (Supremo Tribunal Federal) sob acusação de integrar, assim como Bolsonaro, o núcleo central de uma organização criminosa acusada de tentativa de golpe de Estado após a vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2022.

Como ele é parlamentar, diplomado em dezembro de 2022, a corte notificou o Congresso após ter recebido a denúncia. A Constituição prevê que a Câmara pode suspender processo penal contra deputados por crimes cometidos após a diplomação.

A análise da Câmara deveria ficar limitada aos crimes que teriam ocorrido após esse período. O Congresso não tem poder para suspender toda a ação penal.

A proposta de suspender a ação contra Ramagem começa a ser analisada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e depois vai ao plenário da Casa. A Câmara tem até 45 dias para votar a proposta.

O presidente da comissão, Paulo Azi (União Brasil-BA), oficializou Alfredo Gaspar na relatoria do caso Ramagem na semana passada. Azi disse à Folha de S.Paulo que outros parlamentares foram procurados para assumir a proposta, mas declinaram, sob o argumento de que esse é um “tema sensível”.

Ele afirmou que Gaspar é uma “pessoa experiente e com preparo jurídico” para analisar o tema, já que o parlamentar foi procurador-geral de Justiça de Alagoas. O texto deve ser votado no colegiado até o fim deste mês.

“Ele vai fazer uma avaliação isenta do caso. Perguntei se ele estava disposto a assumir a responsabilidade com equilíbrio e isenção. Não posso ficar definindo as escolhas [de relatoria] vendo se um deputado é governista ou de oposição, porque assim não saímos do lugar. Quero fugir da polarização”, disse Azi.

O presidente da CCJ disse que não se pode comparar a análise do caso Ramagem à proposta de anistia no Congresso. “Este projeto já está pautando muito a vida política nacional. Não vamos botar mais gasolina nisso”, afirmou.

Procurado, Gaspar disse que ainda precisa analisar o conteúdo do pedido de suspensão antes de emitir qualquer posicionamento. Ele afirmou reconhecer que “inevitavelmente” a matéria ganhará peso político, mas disse que isso não influenciará sua análise. “Farei um trabalho técnico e criterioso.”

Nomes do centrão ouvidos pela reportagem questionaram a escolha do deputado para a tarefa. Um aliado do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse que um nome “mais moderado” poderia gerar menos ruído interno.

Há uma avaliação entre parlamentares que a escolha de Gaspar já indica um revés para o STF. Sem votações expressivas na Câmara neste ano, lideranças bolsonaristas querem aproveitar o caso Ramagem para aplicar uma derrota ao Supremo —e, assim, sinalizar a força da oposição em pautas contra o tribunal.

Três ministros da corte afirmaram, sob reserva, que a Câmara pode usar seu poder de sustar parte da ação penal contra Ramagem para tentar tumultuar o processo contra o núcleo central da trama golpista.

O resultado prático da ação bolsonarista, porém, é considerado nulo. Há uma avaliação de que Ramagem pode continuar respondendo pelos cinco crimes dos quais é acusado mesmo se a Câmara sustar sua ação penal, já que permanecem no processos os atos praticados pelo deputado antes da diplomação.

O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), apresentou uma petição ao STF na última semana pedindo que a corte esclareça formalmente quais crimes atribuídos a Ramagem foram cometidos antes e depois de sua diplomação.

Com a resposta do Supremo, o PT tenta derrubar a tese do PL para suspender a ação penal contra o parlamentar.

Lindbergh afirma que essa proposta é “outra aberração” da oposição. “Querem tumultuar o julgamento de Bolsonaro e dos principais denunciados pela tentativa de golpe de Estado. Conhecendo o grau dessa turma, certamente vão propor o trancamento de toda a ação penal”, afirmou.

O líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), por sua vez, disse acreditar que a aprovação da matéria terá impactos no processo como um todo. “Não tenho a menor dúvida de que, com a aprovação do pedido, esse inquérito todo vai ser trancado na íntegra. Se a Constituição no Brasil vale, e o devido processo legal tem valor, todo o processo será paralisado.”

Ele rejeita qualquer relação entre o projeto da anistia e essa ação. “A anistia é uma pauta popular hoje, do povo, é só ver as redes sociais, as manifestações. O recurso do Ramagem é ‘interna corporis’, diz respeito aos parlamentares.”