SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Existe vida social e comercial na favela do Moinho, na região central da cidade de São Paulo. Na rua principal da comunidade, dezenas de lojas se enfileiram e vendem produtos básicos para as 820 famílias que vivem ali. São padarias, bares, lojas de roupas e outros negócios que encerrarão suas atividades sem que haja qualquer ressarcimento por parte do governo estadual. Levantamento feito pela Associação da Comunidade do Moinho mostra que existem 40 estabelecimentos na favela.
O estado diz que fez mutirão de emprego e ofereceu mentoria aos empreendedores da comunidade.
A remoção da população local é questão de tempo e parece inevitável. Cerca de 90% das famílias aceitaram a proposta da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo), que garante um auxílio de R$ 800 para cada família desalojada.O problema é que os comerciantes recebem um tratamento idêntico ao de qualquer morador e já dão como certo o desemprego.
É o caso de Edenildo Laurentino da Silva, 40, que mora há 21 anos no Moinho e, há dez, montou um minimercado, onde vende produtos nordestinos e cereais. “A forma como estão querendo tirar os moradores daqui é injusta, deixaram os comerciantes de fora e vou perder meu ganha-pão”, diz.
Silva mora no Moinho com a mulher e três filhos e, segundo ele, a CDHU, que está oferecendo uma carta de crédito de R$ 200 mil a R$ 250 mil para moradores comprarem um imóvel com pagamento em 30 anos, alega que só trata de moradia. “Se eu aceitar essa proposta vou ficar com uma dívida nas costas, um apartamento minúsculo e sem renda”, afirma. “Fiz o cadastro, mas só porque fui encurralado e não tinha nenhuma opção.” O desejo de Silva era que a CDHU abatesse o valor do seu imóvel no Moinho da carta de crédito.
Reclamação semelhante faz Cíntia Bonfim Silva, 40. Ela tem uma padaria e mora no Moinho há 18 anos. Construiu seu negócio nesse período e vive com a mãe. Criou dois filhos na favela -hoje estão casados. “Comecei com geladinho, depois passei a fazer lanches e hoje tenho essa pequena padaria”, diz.
Ela também aderiu à oferta da CDHU. “Tive que assinar porque eles disseram que, se não fizesse isso, iria sair sem nada. Entre um pouco e nada prefiro um pouco.”
Ela diz que a proposta do governo só garante um apartamento pequeno (em torno de 35 m²), com um condomínio alto (R$ 400, segundo a moradora) e não prevê nenhum ressarcimento pela padaria. Afirma que se sente caindo em um abismo e completamente sem saída.
Cíntia fala em crise de ansiedade e uso de remédios controlados. “Estou sem dormir, sem comer, e nem consigo trabalhar direito. A polícia está aqui o tempo todo”, afirma. “Não sei para onde vou levar todo meu maquinário, que inclui forno, geladeira e freezers.”
Ela lamenta que a situação tenha chegado a um ponto extremo. Considera o Moinho um lugar acolhedor e bom para morar, onde se sente segura e consegue garantir seu sustento. “Minha porta fica sempre aberta e passo a madrugada fazendo pão”, afirma.
Outro personagem que está vivendo sob tensão é Cláudio Celestino, 31, que mora no Moinho há 15 anos e tem o nome artístico de Chocolate. Ele é dono um bar na rua principal da favela e promove eventos sociais. O principal deles é uma roda de funk em que ensina crianças a compor músicas, a se comportar em cima de um palco e a aprimorar a voz para cantar.
“A polícia já invadiu meu estabelecimento quatro vezes, estourou a porta e me levou para a delegacia”, diz. “Tenho mulher e três filhos para criar. Só vou sair daqui se tiver uma proposta viável.”
Celestino conta que não assinou o documento da CDHU.
Comerciantes afirmam que será quase impossível reabrir suas lojas em outros lugares. Muitos deles, com idade mais avançada, também acham difícil encontrar um novo emprego. Jorge de Santana, 59, há 17 anos no Moinho, dono de um bar e mercearia, situado ao lado de uma igreja evangélica, se sente nessa condição precária.
“Tenho dois filhos que trabalham comigo, os dois desempregados. Se não derem uma ajuda digna para nós serão três famílias na rua da amargura”, afirma. “Com aquilo que o governo oferece eu pago aluguel ou como. Na minha idade não vou conseguir achar trabalho.”
Santana diz que não assinou a proposta da CDHU e que participou do ato de protesto dos moradores da favela contra a desocupação na última terça-feira (15). Os manifestantes, cerca de 200 pessoas, fizeram um percurso entre a avenida Rio Branco e a Câmara Municipal, onde foram dispersados pela polícia. “A polícia está pegando muito pesado com a gente, diz que o Moinho é território do PCC, mas isso não tem nada a ver, somos todos trabalhadores”, critica.
A cabeleireira Josenilda Fonseca Machado, 47, concorda com Santana. Ela tem um salão no Moinho embaixo da casa onde vive com o irmão. Diz que assinou a proposta da CDHU e que não teve escolha. Considera o auxílio-moradia de R$ 800 insuficiente para alugar qualquer coisa e questiona o valor da carta de crédito.
Silvânia Mendes Machado, 51, por exemplo, parou de comprar mercadorias para renovar seu estoque diante de perda de clientes. Ela vende roupas íntimas para mulheres, bolos e cuida de crianças para complementar a renda. “Antes da chegada da CDHU eu vendia bem, mas agora parou tudo”, afirma. “No dia que me chamaram para assinar o acordo pedi para pensar e o moço disse que eu só tinha um dia de prazo. Era pegar ou largar.”
A dona de casa paraibana Leidivânia Domingas Serra Teixeira, 30, vive em uma casa na rua principal do Moinho desde 2014, onde mora com o marido e dois filhos pequenos. O marido trabalha limpando vidros e assinou o acordo. “Falaram que se ele não assinasse iriam passar o trator na nossa casa com a gente dentro”, afirma. “Sinto-me oprimida, com medo, e acho que a favela vai acabar. Teremos que sair daqui por bem ou por mal.”
Procurada pela reportagem, a CDHU informou que só cuida da habitação e não faz parte de seu escopo construir unidades de uso misto, que combinem casa e comércio, por exemplo. Disse também que não é o único órgão que pode ajudar os lojistas a refazerem seus negócios, um assunto que tem sido muito discutido.
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho, por exemplo, fez um mutirão nos dias 9 e 10 de abril no qual ofereceu 400 vagas de emprego para os moradores do Moinho. A Adesampa (Agência São Paulo de Desenvolvimento) também fez uma mentoria voltada para o empreendedorismo e atendeu 60 moradores da favela.
Outra iniciativa foi a colocação de uma van do CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais) na frente do escritório montado pela CDHU para atender os moradores da comunidade na rua Barão de Limeira. Foram feitos 180 atendimentos e 125 cadastros, que podem dar direito a benefícios sociais.