SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um total de R$ 3,3 bilhões em projetos de infraestrutura já estão no escopo do seguro-garantia com cláusula de retomada, modalidade em que a seguradora assume os riscos de interrupção do projeto e a sua conclusão. Desse total, já são R$ 960 milhões em obras de infraestrutura que estão efetivamente asseguradas por essa modalidade e quase outros R$ 2,3 milhões já têm previsão de contar com essa alternativa.

O balanço de investimentos protegidos por essa modalidade de seguro foi realizado a partir de editais de obras públicas pela CNSeg (Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização). O seguro-garantia com cláusula de retomada foi incluído na Nova Lei de Licitações em 2021, começou a valer em janeiro de 2024, mas ainda aguarda regulamentação federal.

“Ainda é pouco, mas avançou bem, se a gente considerar que é preciso se organizar para adotar e a primeira licitação num estado tem apenas um ano”, diz o diretor de Relações Institucionais da CNseg, Esteves Colnago.

“Se continuar nesse ritmo crescendo assim, talvez até o final do próximo ano pode chegar R$ 10 bilhões.”

A CNSeg atua para ampliar o uso desse tipo de seguro-garantia como ferramenta para impedir a paralisação de obras públicas e incentivar a retomada de projetos paralisados. Em 2024, por exemplo, o TCU (Tribunal de Contas da União) identificou 11.941 obras paralisadas no país, o que corresponde a 52% das contratações vigentes.

Em nível federal, o dispositivo pode ser aplicado em grandes projetos com valor acima de R$ 200 milhões, corrigido pela inflação anualmente. O limite já subiu para R$ 259 milhões. No entanto, os estados estão elaborando suas próprias legislações e reduzindo o limite.

Pela regra nacional, as seguradoras garantem até 30% do valor total da obra. Durante as discussões para a adoção da modalidade, o setor de seguro defendeu a cobertura de 100%, como ocorre nos Estados Unidos. No entanto as empreiteiras médias e pequenas fizeram pressão contra, alegando que isso deixaria a obra mais cara.

Segundo a CNseg, um seguro de 30% eleva entre 1% e 1,5% um contrato. O argumento adotado foi que, ainda que elevasse o custo em 2% ou 3%, a certeza de conclusão do empreendimento compensaria.

Também existe a leitura de que pesou o temor do escrutínio e da perda de mercado. Muitas empreiteiras se arriscam, assumindo obras maiores ou um número grande de projetos ao mesmo tempo, sem ter estrutura, mas com a perspectiva de que, lá na frente, se ajeitam. Como a seguradora vai se comprometer a finalizar o projeto ou reembolsar o ente público, caso a construtora não consiga finalizá-lo, vai ser criteriosa na contratação do seguro.

A adoção efetiva do seguro-garantia com cláusula de retoma ocorreu em abril de 2024, numa licitação do governo do Mato Grosso. O estado foi precursor também na sanção de lei estadual, prevendo a cobertura para obras acima de R$ 50 milhões. Pode-se dizer que puxou a fila.

No final de 2024, os governos de Paraná e Pernambuco lançaram editais adotando o valor federal. Na última semana de março deste ano, Goiás sancionou uma lei inspirada na legislação do Mato Grosso, também implantando o seguro em obras acima de R$ 50 milhões. Minas Gerais acaba de licitar uma ponte exigindo esse tipo de cobertura e avalia elaborar lei estadual com um valor reduzido.

Ao baixar o limite, o seguro-garantia com retomada pode ser utilizado em intervenções urbanas, em áreas como saneamento e transporte.

O Mato Grosso já tem seis obras contratadas com esse tipo de seguro garantia, num total de R$ 470 milhões em contrato, com apólices emitidas pelas Seguradoras Tokio Marine e Junto. São cinco obras de implantação e pavimentação de rodovias estaduais e uma obra civil.

A assessora-chefe de Planejamento Estratégico da Sinfra-MT (Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística), Maria Stella Okajima Conselvan, participou de todo o processo de implementação da nova alternativa. Conta que foi um trabalho do zero, que incluiu até criar a minuta para desenvolver a cláusula e modelar o contrato.

Okajima Conselvan lembra o pano de fundo da decisão de aderir ao seguro era um problema histórico. Quando o governador Mauro Mendes assumiu, em 2019, o Executivo estadual tinha 336 obras paralisadas, segundo relatório do Tribunal de Contas do Estado. Alguns empreendimentos, que deveriam ter ficado prontos para Copa de 2014, estavam paralisados desde 2012. Conta que não dava para continuar daquele jeito.

“Parece óbvio afirmar que o interesse do Estado é ter a obra concluída e entregue ao uso da população, porém a realidade é outra”, explica.

“Exigir o seguro-garantia com cláusula de retomada em obras acima de R$ 50 milhões foi a forma legal que encontramos de assegurar a entrega dos nossos projetos no prazo estipulado em contrato com a qualidade exigida.”

A presença da seguradora no processo já se mostrou um diferencial. Na licitação para implantação e pavimentação da MT-430, entre Confresa e Vila Rica, na região do Xingu, nordeste de Mato Grosso, o vencedor não conseguiu ter suas contas aprovada para fazer o seguro. Como a cobertura era inegociável, foi desclassificado em favor do segundo colocado que, por ter estrutura financeira mais robusta, conseguiu o seguro.

“O setor público tem limitações no pedido de qualificação e habilitação das empresas, sob pena de sermos acusados de estar direcionando os procedimentos licitatórios. Então, poder contar com o apoio do agente segurador nessa análise certamente vai transformar o mercado de construção”, explica Okajima Conselvan.

Nessa parceria, o estado mantém um Diário de Obras, com acompanhamento ‘in loco’, que inclui relatórios, com registros fotográficos, datados e com georreferenciamento, que podem ser consultados pelas seguradoras.

Até agora foi feita apenas uma licitação de caráter federal com esse seguro garantia, mas no Judiciário —obras no TRF 1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), no Distrito Federal. A OEI (Organização dos Estados Ibero-americanos, para a Educação, a Ciência e a Cultura) contratou para projetos da COP30 (30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas).

Para que o seguro-garantia possa deslanchar nas grandes obras federais, o mercado também precisa contornar outro problema: o encolhimento, no Brasil, da oferta de resseguro —popularmente conhecido seguro do seguro. Nesse segmento, uma resseguradora assume parte dos custos pelo risco da seguradora.

Grandes perdas no agronegócio e no setor de varejo levaram ao encolhimento desse segmento. Colnago conta que a CNseg tem buscado atrair seguradoras internacionais para reforçar a oferta de resseguro no Brasil e também feito contato com o IRB (Instituto de Resseguros do Brasil) para ampliar a oferta.