RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) propõe uma revisão do tombamento do conjunto urbano de Petrópolis, cidade na região serrana do Rio de Janeiro que abrigou a família imperial brasileira durante temporadas de verão, no século 19.
A revisão propõe ampliar a área tombada no centro histórico e outros dois bairros. Por outro lado, estuda a supressão de rios, afluentes e suas áreas de entorno, como os rios Bingen e Quitandinha.
Dom Pedro 1° conheceu a região no trajeto entre Rio e Minas Gerais. Em 1822, comprou uma fazenda para construir a residência de veraneio imperial. A partir da década de 1840, sob ordens de Dom Pedro 2°, Petrópolis foi povoada com incentivo à imigração alemã.
As ruas do centro de Petrópolis, considerada a segunda cidade projetada do Brasil Recife é a primeira, foram construídas paralelamente aos rios.
A proposta do Iphan foi levada à prefeitura e associações de moradores em reunião no dia 1° de abril. O órgão federal vai avaliar contribuições recebidas, incorporá-las, se for o caso, e notificar proprietários para eventuais pedidos de recurso.
A etapa final é encaminhar ao conselho do Iphan e receber a homologação do Ministério da Cultura. Não há prazo para a consolidação do projeto.
Moradores demonstram preocupação com a revisão, sob o argumento de que suprimir os rios pode desproteger casas que ficam nas ruas por onde eles passam seriam 8.000 imóveis retirados do atual tombamento, segundo associações de moradores, número não confirmado pelo Iphan.
Moradores temem a ação do mercado imobiliário, com ofertas de edifícios altos e arquitetura diferente daquela vista no centro da cidade.
Há, contudo, outras travas para alterações urbanísticas além do Iphan, como o Inepac (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural) e a lei de zoneamento municipal.
O Iphan afirma que a revisão visa atualizar a lei e construir uma visão de conjunto urbano. O tombamento atual, segundo o órgão, é uma “listagem de componentes isolados”. Petrópolis passou por três processos de revisão de tombamento na sua história.
Em relatórios, Iphan e a Procuradoria do Rio de Janeiro dizem que não são observadas pressões para verticalização e adensamento nas áreas paralelas aos rios, e que a proteção desses cursos dágua já está garantida pela legislação ambiental.
Em parecer técnico de 2023, a Procuradoria do Rio de Janeiro diz que “a inclusão de rios no conjunto tombado [na década de 1980] pode ter sido motivada por preocupações ambientais”.
A Prefeitura de Petrópolis diz apoiar a revisão.
“A atualização do tombamento será positiva, na busca por encontrar maior equilíbrio entre preservação e desenvolvimento, garantindo que a proteção do patrimônio cultural aconteça de forma responsável, sem impedir o avanço sustentável e necessário da cidade”, diz em nota.
Membros da prefeitura entendem que a supressão dos rios pode desburocratizar a realização de obras de proteção contra alagamentos. A cidade é cercada por montanhas e contornada por rios, e sofre com enchentes e deslizamentos em épocas de chuva.
Em 2022, a tragédia causada pelas chuvas deixou 243 mortos; em 2011 houve 73 mortos; e em 1988, 134 mortos.
O planejamento urbano de Petrópolis foi desenhado pelo alemão radicado no Brasil Júlio Frederico Koeler, contratado por Dom Pedro 2° em 1843. Koeler dividiu a cidade em quarteirões, com zoneamentos diferentes.
Apesar da leve queda no número de habitantes na comparação entre os Censos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) eram 295 mil habitantes em 2010 e 278 mil em 2022, há projetos de expansão imobiliária na cidade.
No Quarteirão Ingelhein, a 4 km do centro, uma construtora prevê um residencial de quatro torres e 196 unidades. No centro está em construção um condomínio de três blocos, com 32 apartamentos no total.
“A reunião do dia 1° de abril contou com membros do ramo imobiliário. Sabemos que há interesses da especulação imobiliária na região”, afirma Paulo José de Souza, presidente da Fampe (Federação das Associações de Moradores de Petrópolis).
O Iphan deseja incorporar ao tombamento as encostas de mata atlântica que cercam o município.
Nas ruas em que o plano Koeler foi respeitado, a área de mata fica nos fundos dos imóveis. As casas têm jardins de frente, que compõem com os rios que passam no meio das ruas. Nem toda a cidade, porém, seguiu o plano.
“Antes vistas apenas como um ‘pano de fundo’ da cidade, essas encostas passam agora a ser reconhecidas como parte integrante do bem cultural. Essa inclusão também tem um papel importante na proteção ambiental e na prevenção de riscos, como os desmoronamentos”, afirma o órgão, em nota.
O primeiro tombamento de Petrópolis é de 1964. Uma única rua foi tombada. Em 1980, foram incluídas vias que abrigam pontos turísticos como a Catedral São Pedro de Alcântara, o Museu Imperial, antigo palácio imperial, e o Palácio de Cristal, inaugurado em 1884 para exposições agrícolas.
Em 1982, foram somadas ao tombamento unidades fabris, casas isoladas e a bacia do rio Piabanha.
Relatórios sugerem que a curta distância entre os tombamentos de 1980 e 1982 indica ter havido uma ameaça de especulação imobiliária à época.
Os imóveis do centro da cidade, em diferentes estilos como coloniais, neoclássicos, normandos e neocoloniais, foram analisados pelo Iphan. Dos 1.749 imóveis observados, 469 (26,6%) foram classificados com grau máximo de preservação.