MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – Quando um papa morre ou renuncia, a Igreja Católica Apostólica Romana não perde apenas sua referência. A Cidade do Vaticano, última monarquia absolutista da Europa, fica sem seu soberano. Roma, na Itália, deixa de ter seu bispo. O apóstolo Pedro, primeiro dos papas, deixa de ter um sucessor. E Jesus Cristo fica sem seu vigário, um representante, na Terra.
Para algumas dessas funções, existem textos da Santa Sé que indicam o deve ser feito em caso de “sede vacante”, como é chamada a ausência definitiva de um papa de suas funções. Muitas das regras que regem esse período estão na Constituição Apostólica “Universi Dominici Gregis”, promulgada em 1996 por João Paulo 2º (1920-2005).
Um dos principais personagens é o cardeal camerlengo, que de fato administra as questões práticas do Vaticano. Desde 2019, o cargo é ocupado pelo americano Kevin Joseph Farrell, nomeado pelo papa Francisco.
“O camerlengo cuida de tudo para manter o Vaticano funcionado, no que diz respeito a bens, território, imóveis”, explica à reportagem o sacerdote Jesús Miñambres, professor de direito patrimonial canônico da Pontifícia Universidade Santa Croce, em Roma.
Publicada em 2022 por Francisco, a Constituição Apostólica “Praedicate Evangelium” sobre a Cúria Romana determina que o camerlengo pode pedir relatórios sobre situação financeira e econômica de qualquer órgão subordinado à Santa Sé.
Caso o camerlengo estiver impedido no período de “sede vacante”, suas funções devem ser assumidas pelo vice-camerlengo, também nomeado pelo papa. Desde 2020, é um brasileiro que ocupa o posto: o arcebispo Ilson de Jesus Montanari.
Além dele, o Colégio Cardinalício, que reúne todos os cardeais, também está apto a tomar decisões nessa fase. Na prática eles respondem pelo governo da Igreja, mas somente em questões simples ou inadiáveis. Principalmente, devem se ocupar da preparação e realização do conclave que irá escolher o futuro papa.
Durante a “sede vacante”, são constituídos dois tipos de congregações de cardeais. A geral reúne todos eles, enquanto a particular é formada somente pelo camerlengo e três cardeais assistentes sorteados. Assuntos graves são tratados pela assembleia de cardeais eleitores (com menos de 80 anos), enquanto temas ordinários são examinados pela congregação particular.
Outra figura proeminente é o decano do Colégio de Cardeais, quem de fato organiza o conclave. No entanto, o atual, Giovanni Battista Re, tem mais de 80 anos e, por isso, não pode entrar na Capela Sistina para exercer sua função. A tarefa, então, será transferida para o mais velho eleitor entre os cardeais bispos, atualmente Pietro Parolin, 70, secretário de Estado do Vaticano.
Fora a parte prática relacionada ao funcionamento do Vaticano e à eleição do papa, todo o resto deve aguardar a chegada do novo pontífice. O que vale também para os outros títulos históricos que o líder da Igreja acumula: sucessor de são Pedro e, consequentemente, representante de Jesus na Terra.
Significa então que, na morte ou renúncia do papa, um elo entre questões terrenas e divinas deixa de funcionar?
“Do ponto de vista da Salvação, não tem problemas. Deus é grande, e a graça funciona mesmo durante a sede vacante. Para os fiéis, não muda nada”, afirma o professor Miñambres. “Falta uma figura de referência [o papa], mas tudo é previsto para que isso falte pelo menor tempo possível.”
“É o momento de unir os fiéis na oração por esse cargo, que é objetivamente importante para levar a Igreja adiante. Mas a Igreja é de Deus, não é dos cargos. Não falta Igreja porque falta um elemento”, afirma.