FRAMINGHAM, EUA (FOLHAPRESS) – Ao caminhar por Framingham, na região metropolitana de Boston, a impressão é de passear por uma cidade pequena no Brasil. As lojas enfileiradas ao longo do meio-fio oferecem de tudo: self-service com churrasco, padaria com coxinha e pão francês fresquinho.
Na rua, ouve-se em português “boa tarde” e “bom dia”, não raro com carregado sotaque mineiro. É como se fosse um pedaço do Brasil nos Estados Unidos.
A cidade tem cerca de 72 mil habitantes, sendo que aproximadamente 8 mil são brasileiros, segundo dados oficiais de 2022. Mas outras estimativas apontam que mais de 25 mil imigrantes do Brasil moram no município.
Como tem ocorrido em diversos lugares, o endurecimento das políticas migratórias de Donald Trump tem provocado mudanças no cotidiano da região, sobretudo o de comerciantes.
Boa parte dos estabelecimentos comerciais de Framingham é gerenciada por brasileiros. A reportagem conversou com uma dezena de empresários, que relatam o mesmo: as vendas e os movimentos caíram drasticamente desde janeiro. A baixa está relacionada ao medo dos imigrantes indocumentados de saírem às ruas e irem, sobretudo, a locais administrados e frequentados por estrangeiros.
O impacto das políticas levou a própria prefeitura da cidade a elaborar guias para que as pessoas saibam seus direitos. Também estão sendo feitos encontros com os proprietários dos comércios para tentar estimular os negócios, já que a baixa nas vendas afeta a economia de Framingham.
“O que me chama atenção é o pânico e o clima de ódio. Tem reuniões semanais da prefeitura para acalmar os empresários”, conta Áquila Menezes, 37, que gerencia uma empresa de turismo e de venda de passagens na cidade.
Sem saber informar um número preciso, ela conta que, desde o início do ano, a quantidade de venda de passagens só de ida para o Brasil aumentou em cerca de 80%. Trump tem incentivado a chamada autodeportação -quando a pessoa sai espontaneamente do país. O presidente diz que, inclusive, lançará uma espécie de programa para pagar passagens com o objetivo de que os imigrantes saiam do país. Esse movimento, no entanto, já é uma realidade entre estrangeiros.
“Muitas famílias chegaram aqui, principalmente no início do ano, dizendo que não queriam arriscar serem presas e, por isso, decidiram voltar. Vendemos muita passagem para gente com tornozeleira, por exemplo [usadas por pessoas que enfrentam o processo de deportação].”
Framingham concentra a maior população de imigrantes do Brasil em Massachusetts que, por sua vez, é o segundo estado com o maior número de brasileiros nos EUA -só perde para a Flórida.
De acordo com a Pesquisa da Comunidade Americana (ACS 2022), a população do país sul-americano residente em Massachusetts é estimada em 139.587, dos quais 80,4% nasceram no Brasil.
Os dados constam no estudo da Diáspora Brasil, patrocinado pela Boston Foundation. O número da pesquisa pode estar subnotificado, já que, segundo o Itamaraty, 2,1 milhões de brasileiros viviam nos EUA em 2023, e 16,5% deles, em Massachusetts. Por esse cálculo, seriam portanto 348.195 brasileiros morando no estado. Quase metade teria a cidadania americana, enquanto os demais se dividem entre os que estão em situação irregular e os que já tem papéis.
Áquila, que gerencia a empresa de turismo, está nas estatísticas. Há 18 anos nos EUA, ela permanece sem documentos, porém paga todos os impostos, como a maioria dos que estão em situação irregular.
Como boa parte dos imigrantes em Massachusetts, Áquila é de Minas Gerais. Mais precisamente, da cidade de Governador Valadares.
Massachusetts recebeu três ondas migratórias do Brasil desde 1970. Segundo o estudo, a relação de Governador Valadares com o estado dos EUA remonta da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Naquela época, o Brasil se tornou um dos maiores produtores de Mica, mineral que era extraído por empresas americanas na cidade mineira.
O levantamento, publicado no ano passado, mostra que, em 2022, os trabalhadores imigrantes brasileiros contribuíram com cerca de US$ 8 bilhões para o produto estadual bruto e geraram 29.935 empregos.
“As atividades comerciais dos brasileiros, em particular aqueles que se estabelecem e residem em bairros urbanos e centros comerciais que viram um longo período de declínio, contribuem criticamente para transformar essas áreas em lugares atraentes para viver, trabalhar e se divertir”, diz o estudo. Um dos exemplos citados é justamente o de Framingham.
“Diminuiu demais o fluxo, caiu cerca de 80%. Ali no supermercado, você chegava e ficava trinta, quarenta minutos. Hoje você vai lá e é atendido na hora. O pessoal está com medo de sair”, diz Vanda Alves, 67, dona de um salão de beleza em Framingham, onde mora há 27 anos. “Ontem pegaram uma mulher aí na esquina”, disse, a respeito do relato de uma detenção feita por agentes de imigração.
Vanda conta que, um dia, atendeu os clientes no fundo do salão para dar ares de que o local estava fechado. Assim, eles não puderam ser vistos por quem estava do lado de fora.
Enivanda Fernandes, 65, é cozinheira há 25 anos num restaurante self-service brasileiro da cidade. Ela diz que, às vezes, a estratégia é de intimidação. Mais de uma vez, conta, agentes da imigração sentaram numa das mesas do restaurante e passaram o dia no local, afugentando os clientes dali.
Enivanda e Vanda Alves estão em situação legal nos EUA. Não há uma estimativa exata de quantos tenham sido presos e deportados na região.
Áquila, da agência de turismo, diz que as notícias sobre deportação são majoritariamente de pessoas com antecedentes criminais, incluindo brasileiros. Mas as pessoas com as quais a reportagem conversou afirmaram que o discurso de Trump e aliados têm espalhado pânico e impactado o cotidiano local.
Mesmo Massachusetts sendo um estado conhecido por proteger imigrantes, e Boston, sua capital, ser considerada uma cidade santuário para estrangeiros, as pessoas indocumentadas estão sendo duramente afetadas pela política do governo Trump.