Um levantamento inédito do Instituto Socioambiental (ISA), divulgado no início de abril, aponta que as Terras Indígenas nos biomas Caatinga, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal são 31,5% mais preservadas do que as áreas ao redor. Outro estudo, apresentado pelo pesquisador da USP, Rodrigo Martins dos Santos, revela que onde estão situados indígenas, quilombolas e outras culturas tradicionais, o desmatamento pode ser quatro vezes menor. Os dados reforçam quem são os verdadeiros guardiões das florestas, que devem estar no centro das políticas de preservação, como já apontado em pesquisas anteriores.

O estudo do ISA analisou 22 territórios com limites oficiais reconhecidos. Foram considerados dados de corte raso de vegetação produzidos pelo Prodes Brasil e do Projeto MapBiomas sobre vegetação secundária. Uma das descobertas é que a maior parte da supressão da vegetação nativa nestes territórios aconteceu antes da efetivação da demarcação destas áreas. Ou seja, a morosidade nos processos de demarcação pode levar ao aumento da degradação dos territórios tradicionais dos povos indígenas.

Ainda levando em consideração os territórios dentro dos biomas da Caatinga, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal, apesar de estarem 31,5% mais preservadas do que as áreas fora delas, em média, as terras já perderam 36,5% de sua vegetação original. A situação é pior, proporcionalmente, no Pampa, cuja perda foi de 62,5% de sua vegetação original. A título de comparação, no bioma Amazônia o desmatamento representa 1,74% da vegetação original das Terras Indígenas. Para o ISA, os dados fortalecem a importância da demarcação para a preservação. “Somente a posse indígena efetiva é capaz de garantir a integridade socioambiental das Terras Indígenas”, diz a organização.

O estudo do pesquisador Rodrigo Martins dos Santos, do Programa de Pós-Graduação em Geografia Física da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP também é focado em biomas. Em sua tese de doutorado, Santos documentou 186 etnias – que existiam antes da chegada dos europeus -, analisando línguas, ocupações europeias, retração dos domínios de natureza ao longo dos séculos e a existência dos refúgios bioculturais.“O refúgio biocultural é o local onde as culturas se refugiaram [após o avanço da desnaturação]. São locais que abrigaram os indígenas e outros povos tradicionais, onde eles encontraram espaço para resistir”, explica.

O pesquisador então descobriu que há 34 refúgios de povos indígenas atuais e 14 de outras comunidades tradicionais na área analisada. Segundo ele, onde estão os refúgios, a taxa de desmatamento é quatro vezes inferiorà média regional. Para o pesquisador, isso reforça a tese de que os povos e comunidades tradicionais contribuem com a preservação da biodiversidade no país.

O estudo mapeou refúgios bioculturais nos estados de Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo onde há o encontro de três biomas: CerradoMata Atlântica e Caatinga. Tais regiões abrigam a maior biodiversidade do mundo, sendo ainda uma das regiões com maior diversidade de línguas e culturas no país.

Guardiões das florestas

A ONU já reconheceu os povos indígenas como os guardiões das florestas com base em uma revisão de mais de 300 estudos publicados nas últimas duas décadas. Já o MapBiomas, analisando os dados de desmatamento das últimas três décadas, revelou que da perda geral de vegetação nativa no Brasil, que foi de 69 milhões de hectares (até 2022), apenas 1,6% do desmatamento ocorreu em terras indígenas.

O papel das terras indígenas na proteção das florestas brasileiras é essencial. Mesmo com a crescente pressão sobre seus territórios, os povos indígenas ali resistem – buscando preservar a floresta em pé e seus modos de vida.

Mulheres e crianças em trilha dentro da floresta que cerca a aldeia Ikpeng, no Xingu, à procura de árvores com sementes. Foto: Ayrton Vignola

Para controlar o desmatamento

O ISA aponta que as políticas de demarcação, proteção e gestão territorial devem considerar aspectos sociais, culturais e ambientais. Entre as medidas fundamentais para o controle do desmatamento em territórios indígenas, o Instituto recomenda:

Fortalecimento de sistemas agrícolas indígenas. Esses sistemas agrícolas oferecem lições importantes para a agricultura moderna, especialmente em um contexto de mudanças climáticas e degradação ambiental.

Promoção e execução de uma política pública de demarcação e efetivação da posse dos territórios pelos indígenas.

Valorização das estratégias indígenas de gestão, seja em planos de gestão ou outros instrumentos. Esses planos são fundamentais para garantir a autonomia, a sustentabilidade e os modos de vida tradicionais das comunidades indígenas.

Fortalecimento do monitoramento e fiscalização: o uso de tecnologias, como satélites para detectar desmatamento em tempo real, ajuda a combater atividades ilegais.

Apoio a iniciativas indígenas de conservação e restauração.

Fonte: Ciclo Vivo