SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Cientistas descobriram que uma espécie de árvore comum na floresta amazônica, a Ficus insipida, tem a capacidade de acumular em seu tronco o mercúrio liberado no ar pela mineração ilegal de ouro na região.

O contaminante expelido na queima do amálgama de ouro e mercúrio -uma prática comum em áreas garimpo ilegal- fica registrado nos anéis de crescimento das árvores.

Segundo os pesquisadores, as plantas poderiam ser usadas como espiãs da mineração clandestina, sendo capazes de indicar onde e até quando a substância poluente foi emitida.

Os resultados do estudo foram publicados em artigo na terça-feira (8) na revista científica Frontiers in Environmental Science.

O mercúrio é um metal naturalmente encontrado no ar, no solo e na água. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a exposição ao elemento químico pode causar sérios problemas de saúde e prejudicar o desenvolvimento de crianças. Os efeitos tóxicos da substância têm manifestações neurológicas, digestivas e imunitárias. O metal também contamina o solo e a água, entrando na cadeia alimentar.

Há um tratado internacional, a Convenção de Minamata, que busca reduzir as emissões e o uso de mercúrio. O documento foi assinado em 2013 e entrou em vigor no Brasil em 2017.

“Recentes estudos mostraram que árvores podem ser biomonitores eficazes de mercúrio em florestas temperadas e boreais, mas ninguém havia examinado isso na amazônia, apesar da alta contaminação causada pelo garimpo”, diz Jacqueline Gerson, professora assistente de engenharia biológica e ambiental na Universidade Cornell e autora principal do estudo.

A equipe decidiu investigar três espécies de árvores tropicais conhecidas por desenvolver anéis de crescimento anuais. No entanto, apenas a Ficus insipida apresentou anéis claros o suficiente para o estudo.

No Brasil, a espécie é conhecida pelos nomes quaxinguba, gameleira, apuí, apuizeiro ou figueira-brava. As árvores podem chegar aos 20 metros de altura, têm folhas verdes compridas e produzem um fruto pequeno, redondo e esverdeado.

A pesquisa, realizada em cinco áreas da região de Madre de Dios, na amazônia peruana, mostrou que os níveis de mercúrio nos anéis das árvores foram significativamente mais altos naquelas próximas de zonas de mineração ativa, principalmente após o ano 2000 –período de expansão do garimpo associado à construção da rodovia Interoceânica, também conhecida como estrada do Pacífico, que liga o Brasil ao litoral do Peru.

Além de revelar o histórico de emissões, a técnica pode ajudar na formulação de políticas públicas e estratégias de fiscalização ambiental, como a avaliação do cumprimento da Convenção de Minamata, diz a cientista.

“As árvores poderiam ser usadas para comparar concentrações atmosféricas de mercúrio em diferentes locais e para detectar mudanças ao longo do tempo também”, afirma a pesquisadora.

Embora o estudo tenha se concentrado na amazônia peruana, a cientista diz que a abordagem pode ser aplicada em outras regiões tropicais afetadas pelo garimpo, incluindo o Brasil.

“O Brasil poderia usar núcleos de árvores como um mecanismo para rastrear onde as emissões de mercúrio são mais altas, sem a necessidade de equipamentos caros de monitoramento do ar”, diz ela. Até o momento, a pesquisadora não mantém colaborações com instituições brasileiras, mas afirma estar aberta a parcerias.