SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Prefiro o incômodo que essas posições causam do que evitar a polêmica por não propor mudanças”, diz o reitor da Unicamp em resposta a críticas sobre a políticas de cotas para transexuais, travestis e não binários adotada pela instituição.

Para Antonio José de Almeida Meirelles, a universidade pública não existe apenas para servir aos interesses de uma parcela da sociedade. Ela, opina o engenheiro, deve ser abrangente, compreender e acolher as diferenças.

Sobre questionamentos à reserva de vagas, ele afirma serem uma oportunidade para esclarecer os critérios para a decisão.

A Unicamp anunciou as novas cotas em 1° de abril. A instituição não é a primeira a adotar política do tipo em solo paulista, mas todas as outras são federais.

Segundo a comissão de vestibular da instituição, os cursos tentarão criar vagas adicionais para as cotas, oferecidas exclusivamente no sistema Enem-Unicamp. A expectativa é que haja 120 vagas para pessoas trans, travestis e não binárias.

A universidade justifica a ação afirmativa pela situação de exclusão do ensino superior enfrentada pela população de pessoas trans no Brasil, decorrente da condição de violência enfrentada por esse grupo social.

Dados sobre assassinatos e a curta expectativa de vida desses indivíduos, 35 anos, são citados.

“É necessário reconhecer que o espaço da disputa para a entrada no ensino superior não é neutro. Ele carrega toda uma história de vida das pessoas e das oportunidades que elas tiveram previamente”, diz o reitor Meirelles. “Em algum grau, a gente está reduzindo essas diferenças e dando oportunidades para um setor maior da sociedade.”

Segundo ele, uma instituição pública não pode servir só a interesses de uma parcela da sociedade, devendo ser mais abrangente do ponto de vista dos vínculos e dos interesses.

O reitor ressalta que a simples reserva de vagas não significa que estudantes chegarão à universidade apenas por serem trans. “Elas entram porque têm um desempenho nos processos de seleção acima do mínimo e porque elas têm essa vulnerabilidade.”

A parcela de vagas disponíveis é pequena, diz o reitor, mas deve mostrar aos beneficiados que o ensino pode fazer a diferença na vida deles.

Há, para Meirelles, outro fator importante na política: a geração de conhecimento ao abrir as salas de aula para temas mais abrangentes no universo LGBTQIA+. “Mudar a população da universidade gera uma sensibilidade diferente.”

As cotas causaram incômodo no mundo político. Deputados e vereadores de São Paulo atuam em quatro frentes para barrar a oferta de vagas. Justiça e Ministério Público foram procurados contra a norma. Um projeto de lei e uma proposta de decreto legislativo estão protocolados na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) também visando derrubá-la.

No domingo (13), a Promotoria pediu que a Unicamp apresente estudos prévios que tenha garantido a necessidade da ação afirmativa.

Meirelles, em seu último ano como reitor, diz acreditar que os ataques são para marcar posição ideológica e os ânimos serão apaziguados. Ele cita como exemplo a política de cotas raciais, que, criticada por muitos a princípio, acabou se configurando como positiva, opina ele.

“Digo isso para mostrar aos opositores que, na verdade, eles estão contra um movimento civilizatório que pretende dar oportunidade para todos” diz. “Para enfrentar desigualdades, você precisa criar condições. No caso, vagas.”