ESPÍRITO SANTO DO PINHAL, SP (FOLHAPRESS) – Uma cidade histórica fundada em 1849, com 39 mil habitantes, é a nova estrela do mercado imobiliário paulista. Sem tradição turística, Espírito Santo do Pinhal tornou-se um ímã de investidores -em seis anos, o preço do alqueire sextuplicou.
Para entender tamanha valorização, é preciso voltar a 2016, quando a Vinícola Guaspari, instalada ali desde 2001, conquistou seu primeiro prêmio internacional: a medalha de ouro no britânico Decanter World Wine Awards. Fundado pelo minerador Paulo Brito, o negócio deslanchou, atraiu turistas e, junto deles, os amigos do dono -altos executivos interessados em investir.
Era uma grande oportunidade. Antigas fazendas de café, muitas abandonadas ou malcuidadas, estavam à venda por preços bem abaixo dos praticados nas regiões rurais mais badaladas.
Os acessos fáceis por estradas asfaltadas -a cidade fica a 187 km da capital e a 98 km de Campinas- ajudavam. Para completar, os terrenos de altitude, que chegam a 1100 m, descortinavam vistas deslumbrantes.
A agrônoma e paisagista Juliana Do Val, 48, que projetou os jardins da Guaspari, foi entusiasta de primeira hora. Em sociedade com Paulo Guaspari, cunhado de Brito, adquiriu 25 alqueires em 2019, e fundou a vinícola Face Norte.
“Somos um pouco responsáveis pelo boom, porque trouxemos um clube de elite de São Paulo. Na época, um terreno na Fazenda Baronesa, em Campos do Jordão, custava R$ 5 milhões, mas você adquiria uma fazenda em Pinhal por um quinto disso”, diz ela.
Agora, a dupla quer construir um condomínio de alto padrão, com casas de até 700 m². “Não vamos anunciar no mercado. Será uma venda entre amigos e família, porque não quero atrair pessoas desconectadas”, diz Do Val.
Sergio Batista, 57, ex-vice-presidente da Mastercard, também chegou cedo e garantiu bom preço. Em 2019, comprou 7 alqueires, onde implantou a vinícola boutique e wine bar Merum. Depois, adquiriu mais 10 alqueires, onde planeja expandir os vinhedos, construir uma pousada e, por último, um condomínio.
“Na primeira etapa, serão 15 bangalôs muito elegantes, com serviço de hotelaria, que pretendo inaugurar em 2026. Até 2027, quero ter outro restaurante, loja e cafeteria”, afirma.
Ex-compradora para grifes de luxo, Patricia Fleury trocou a capital pela vida pacata do interior, virou corretora de imóveis rurais e se especializou nessa clientela de alto poder aquisitivo.
Segundo ela, o preço do alqueire, que raramente passava dos R$ 80 mil em 2019, pulou para R$ 150 mil em 2022, até atingir os R$ 500 mil atuais. A Serra dos Encontros, para onde convergem os municípios de Espírito Santo do Pinhal, Albertina (MG) e Jacutinga (MG), é uma das áreas mais desejadas.
“Agora, com o preço do café lá no alto, já é raro encontrar quem queira vender. Mas a região ainda tem outras áreas para crescer”, avalia.
O enoturismo, somado a eventos esportivos como provas de mountain bike, tem levado cerca de 100 mil turistas por ano à cidade -mas só um quarto deles consegue se hospedar ali, pelas contas da prefeitura.
Com apenas um hotel, oito pousadas e 46 casas de aluguel por temporada contabilizadas pelo conselho de turismo, a cidade sofre com o problema crônico da falta de leitos.
Sócio do Rancho Churrascada, restaurante inaugurado em fevereiro de 2024, Felipe Aversa, 47, já construiu cinco cabanas e pretende terminar outras cinco até o fim do ano. Para o futuro, tem planos mais ambiciosos.
“Compramos a terra vizinha e vamos montar um condomínio residencial com temática western [Velho Oeste], inspirada na série Yellowstone. Já vendemos as dez cotas, por R$ 2 milhões cada, para empresários de cantores sertanejos.”
Sócio da Arar Capital e ex-diretor da BRF, José Humberto Teodoro, 44, adquiriu uma propriedade de 120 hectares em 2022 com a intenção de fundar mais uma vinícola para enoturismo. Só que mudou de ideia.
“Engavetei o plano de negócios e vou construir um condomínio de vinícolas inspirado no The Vines, em Mendoza”, diz o empresário, que se associou à Mos Incorporadora, cujo portfólio inclui residências na Fazenda Boa Vista, em Porto Feliz (SP), um dos condomínios mais luxuosos do país.
Os vinhedos de Teodoro começaram a ser plantados em setembro de 2024. Um casarão do século 19, já em restauração, vai virar wine bar. “Ninguém planta uva em lugar feio”, brinca o empresário.
Nem todos os investimentos são rurais. Fernando Franceschelli, 41, quinta geração de cafeicultores, adquiriu em 2022 uma chácara abandonada na cidade e a transformou na pousada Vila Alto dos Pinhais -as 15 suítes têm diárias para casal entre R$ 1.000 e R$ 1.500.
“Quando comecei a reforma e avisei que seria hospedagem de alto padrão, me chamaram de louco. Muita gente da cidade ainda não se deu conta do movimento, porque esse tipo de turista não anda na rua nem carrega sacola”, diz.
A Câmara de Vereadores da cidade aprovou um novo Plano Diretor no dia 31 de dezembro de 2024. Entre as mudanças, estão a expansão do perímetro urbano e da área reservada a indústrias.
Segundo Thiago Palombo, diretor do departamento de turismo e desenvolvimento econômico, as três dezenas de vinícolas em construção no município já atraíram a atenção de fornecedores de equipamentos, barricas e embalagens.
Para que saiam do papel, no entanto, todos os novos projetos, especialmente os de áreas rurais, dependem de novas leis que regulem a ocupação processo que sequer começou.
Segundo o engenheiro ambiental Alan Romão, que participou da elaboração do Plano Diretor, será preciso criar leis complementares que definam normas relacionados à declividade dos terrenos, tamanho dos lotes e distância entre edificações, por exemplo.
“Se quisermos manter as belezas que despertaram o interesse dos investidores, precisamos adotar critérios para um desenvolvimento sustentável. Caso contrário, problemas comuns nas áreas urbanas, como a perturbação do sossego, a degradação das nascentes e das áreas de preservação, vão migrar para o campo.”