BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Afinal, quem descobriu o Brasil? Os livros de história ainda se baseiam na ideia que a resposta seria Pedro Álvares Cabral, em 1.500. Contudo, mais de 300 povos indígenas de diferentes etnias já habitavam o território antes da chegada das caravelas portuguesas.

Não é de hoje que o movimento dos povos originários reivindica reparação histórica contra o sistema de ensino aplicado nas salas de aulas, além de uma educação diferenciada e inclusiva. Entre as principais pautas está a construção da universidade indígena para mudar o modelo colonizador e eurocêntrico.

Gersem Baniwa, indígena e professor de antropologia na UnB (Universidade de Brasília), relata que a reivindicação pela universidade ocorre desde a primeira Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena, realizada em 2009, mas que só avançou no governo, de fato, neste terceiro mandato do presidente Lula (PT), quando a proposta foi levada à equipe de transição em 2022.

“Seis meses depois do início do governo, o movimento não teve retorno, então o Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena, que eu sou um dos coordenadores, solicitou uma audiência com o ministro Camilo Santana, da Educação, e com a ministra Sônia Guajajara, dos Povos Indígenas, cuja uma das pautas principais foi a criação da universidade indígena”, disse.

Segundo Baniwa, o MEC (Ministério da Educação) assumiu o compromisso de efetivar essa proposta, como também atender outras demandas do movimento —por exemplo, a criação da Secretaria Nacional de Educação Escolar Indígena, voltada para gestão do ensino de base nas aldeias e para garantia de um melhor acolhimento de estudantes indígenas em escolas urbanas.

“A presidenta Dilma [PT] chegou a criar o primeiro GT [grupo de trabalho] para discutir a universidade indígena. Naquela ocasião, porém, a comissão achou que precisaria de mais tempo para discutir e amadurecer essa ideia.”

“A prioridade naquele momento era consolidar programas e políticas, como de cotas, de reserva de vagas, de acesso e permanência de estudantes indígenas na educação superior, da formação de professores indígenas em licenciaturas interculturais, entre outros”, declarou.

Em nota, o MEC informou que deve instituir um novo GT, composto por representantes dos povos indígenas, do governo federal e de reitores das instituições de ensino superior, para criação e implementação da universidade indígena.

“Neste momento, o MEC está em fase final de articulação com o Ministério dos Povos Indígenas, o MGI [Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos], a Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas] e a Casa Civil para obtenção de anuência e indicação de representantes desses órgãos. A publicação da portaria de nomeação está prevista para os próximos dias”, diz a nota.

De acordo com Baniwa, apesar de a educação básica nas aldeias ainda ter inúmeras lacunas, o ensino superior para a população indígena também deve ser uma prioridade do governo. Ele destaca que a formação é fundamental para os povos entenderem sobre dimensão técnica e política, com objetivo de melhorar a compreensão sobre a complexidade do mundo.

“A educação para os povos indígenas é uma ferramenta de pós-contato, uma necessidade para garantir seus territórios e seus direitos. Também é um instrumento de cidadania que permite, no campo político, lutar pelos interesses coletivos, identidade e preservação de seus modos de vida conforme culturas, tradições, histórias e memórias”, declarou.

“A política de educação é importante para promover, valorizar e continuar a produção de seus saberes e seus próprios sistemas de conhecimento. Na academia chamaríamos: suas epistemologias [reflexão em torno da natureza], suas ontologias [modelo de informações, na filosofia].”

O projeto da universidade indígena prevê uma sede administrativa em Brasília, por questões geológicas e políticas, com campi distribuídos nas cinco regiões do Brasil. Na grade curricular, o intuito é valorizar os 274 idiomas indígenas ainda falados, contra a imposição da obrigatoriedade das línguas oriundas da colonização como português, inglês e espanhol.

A instituição também pretende fomentar a ciência ancestral, responsável pelo melhoramento genético de plantas e frutos, e o papel dos povos indígenas no enfrentamento da crise climática por meio das atividades de preservação dos biomas naturais desenvolvidas nos territórios.

“A educação é um direito, mas deve ser do nosso jeito”. O mote do movimento dos estudantes indígenas está presente nos encontros da categoria e resume a vontade de mudar o atual sistema educacional.

A pauta foi destaque, inclusive, nas últimas edições do Acampamento Terra Livre, a maior manifestação dos povos originários da América Latina.

Arlindo Baré, presidente da Upei (União Plurinacional dos Estudantes Indígenas), celebra as conquistas do movimento, como a ampliação da cobertura da Bolsa Permanência, que ajuda os universitários que saem de seus territórios para cursar a graduação na rede federal, e a criação do Instituto de Pesquisadores Indígenas, voltado para a ciência.

“A universidade indígena se tornou um desafio para o movimento e trouxe a necessidade de justificar a sua importância para os povos”, afirmou.

“Primeiro, no fortalecimento do próprio movimento. A universidade possibilitará trazer recursos humanos, um quadro mais qualificado, para estar, de alguma maneira, ocupando esses espaços.”

“Quanto à concepção dos povos indígenas, essas epistemologias precisam ser reconhecidas pelo conhecimento ocidental. A universidade indígena trará a possibilidade de, a partir do ensino, pesquisa e extensão, trazer uma nova forma de ensino, um novo currículo”, disse Baré.