SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A jornada da brasileira Bárbara Nascimento Flores, 41, para se tornar pesquisadora de pós-doutorado na Universidade de Colorado, em Boulder (EUA), foi menos tortuosa do que aquela para descobrir sua origem, a etnia borum-kren.

“Externamente, eu parecia muito indígena, mas não conhecia minhas origens, sabia que meu pai era muito ligado à medicina tradicional e à ancestralidade, mas a gente não falava sobre ascendência indígena. Era como se tivéssemos vergonha”, diz.

Nascida em Belo Horizonte, ela foi a única indígena selecionada no edital Atlânticas, do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), voltado apenas ao apoio de pesquisadoras negras, indígenas, quilombolas e ciganas para um estágio no exterior.

Primeira mulher de sua linhagem a cursar o ensino superior -graduou-se em turismo pela PUC Minas e, depois, fez mestrado e doutorado em desenvolvimento ambiental pela Uesc (Universidade Estadual de Santa Cruz), na Bahia-, a também ativista tem sido uma das principais vozes na luta pelo reconhecimento de seu povo e na defesa dos direitos indígenas em meio à crise climática.

“Desde cedo, me envolvi com ativismo trabalhando em ONGs que ajudavam as comunidades na luta contra o despejo provocado pela mineração, porque o estado de Minas Gerais é muito voltado para a atividade mineradora”, disse ela, em entrevista por vídeo à reportagem.

“Mas eu via ali todos aqueles nomes de ruas a partir de povos indígenas e me perguntava: onde foram parar esses povos? Parecia um pesadelo para mim que tudo que restou eram placas de ruas.”

Foi aí que, durante a pós-graduação, já morando em Santa Cruz (BA), teve contato com indígenas tupinambás e foi instigada a buscar seus antepassados.

“Na infância, estudei em escola de freiras e ouvia que só restavam [povos] indígenas na Amazônia, mas eu sabia que não era verdade. A família do meu pai era de um povoado chamado Rodrigo Silva, próximo de Ouro Preto, e eu nunca tinha ouvido falar de territórios indígenas naquela região, só mais ao norte no estado. Então eu decidi, após um tio me fazer um último pedido antes de ter uma morte trágica, ir atrás das nossas origens, da nossa história.”

A pesquisadora sentia a necessidade de unir a sua vida acadêmica com sua origem. E foi o que ela fez.

Durante o mestrado, seu projeto era focado em movimentos feministas e sustentabilidade, trabalhando com comunidades tradicionais, mas ainda se sentia inquieta por não saber responder à pergunta de onde veio. “Foi quando conheci uma associação voltada para o reconhecimento indígena e comecei a ‘puxar o fio’ do novelo”, diz.

Ao longo dos anos, Flores foi se aprofundando no estudo das questões ambientais e dos direitos indígenas.

No doutorado, também buscou uma pesquisa sobre os movimentos indígenas de mulheres e a luta pelos direitos da natureza. Mas, em uma oficina voltada para formação de pós-doutores em ecologia indígenas e negros, do Instituto Serrapilheira, Flores teve o que chama de “catarse”.

“Durante uma apresentação sobre cascatas ecológicas [também chamadas tróficas] provocadas por espécies que eram reintroduzidas na natureza, eu pensei: será que existem estudos sobre isso voltados para seres humanos, com a reintrodução de povos originários em seus territórios? Para minha surpresa, não havia nenhum.”

Ela então mudou seu projeto de pesquisa, se inscreveu no edital do CNPq e agora investiga como a reterritorialização dos borum-kren pode induzir a cascatas socioecológicas e contribuir para a restauração de paisagens chamadas multifuncionais. Também procura, a partir de sua experiência, romper as barreiras ainda existentes na ciência ocidental e mostrar que o conhecimento indígena tem muito a contribuir para o entendimento da crise climática e para a construção de soluções eficazes.

“Eu já vivia as duas coisas, a minha vida de pesquisadora e a de ativista indígena. Agora, consigo juntar as duas e fazer uma pesquisa que vai contribuir para o processo de retomada e história enquanto povo”, diz.

Flores afirma acreditar que hoje a ciência mudou o seu olhar em relação à cultura indígena e aos povos originários, uma vez que eles não são mais apenas objetos de estudo, mas, sim, os próprios pesquisadores.

“Os cientistas [no passado] não queriam saber das práticas, não queriam saber como era o modo de vida, eles só estavam interessados em usar os indígenas como dados. Hoje não, os indígenas são pessoas que estão tomando a frente, liderando pesquisas, assinando artigos científicos em revistas renomadas”, avalia.

“No mundo atual, com a crise climática global, os povos indígenas têm um olhar crucial para estudar, serem capacitados na prática acadêmica e depois voltar esse conhecimento para melhorar a vida em comunidade e até a manutenção da vida na Terra.”