SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A polonesa Agnieszka Szpila está brava. Brava, não, na verdade está “emputecida”, como escreve no início de seu novo “Feitiços”. Na ficção, é a empresária Anna Szabel quem encarna a braveza da autora, revoltada com o ativismo ambiental e tudo que a afaste da rica e asséptica Podkowa, a 30 quilômetros de Varsóvia.
Na vida real, Szpila fala por si própria e não se acanha em elevar a voz, mesmo diante do primeiro-ministro polonês Donald Tusk.
Szpila é a mãe orgulhosa de três meninas. As duas primogênitas, gêmeas de 18 anos, nasceram com grau elevado de autismo e demandam cuidados intensivos 24 horas por dia. Para conceder entrevistas ou escrever, ela aproveita a janela enxuta de tempo que sobra enquanto as filhas vão à escola, porque não há quem, além de Szpila e do marido, assuma a missão sem cobrar por isso.
Foi justamente pedindo por mais auxílio do governo às famílias com pessoas com deficiência que Szpila acabou filmada e apareceu na internet, a voz carregada de indignação, diante de Tusk.
“Quando eu fico nervosa, posso ser perigosa para os políticos. Já os ouvi dizer Szpila pode se emputecer, então é melhor não chateá-la’. E isso é uma estupidez, eu me sinto como uma mafiosa”, diz à Folha, por chamada de vídeo.
Vez ou outra, Szpila pode contar com a ajuda de bons amigos. Auxílios luxuosos já vieram, por exemplo, da Nobel de Literatura Olga Tokarczuk, também polonesa, que entre outras gentilezas acelerou filas de exames pelos quais as gêmeas de Szpila esperavam havia anos.
“Olga diz que nossos últimos livros [“Feitiços” e “The Empusium: A Health Resort Horror Story”, sem tradução em português] conversam entre si. Ela é minha mestre, especialmente em relação ao realismo mágico”, afirma.
Em “Feitiços”, o recurso literário que confere ares fantásticos ao texto está por todo canto. “É a única forma de lutar contra a crise da imaginação. E não acho que possamos mudar nada no mundo sem a imaginação, que não é muito usada pelas pessoas que estão no poder”, provoca Szpila.
“Elon Musk sabe usar a imaginação, mas não faz isso para o bem. E penso que a única resposta que podemos dar ao que ele e [Donald] Trump fazem é reconfigurar nossa imaginação, como se faz no realismo mágico. Ali, os personagens sofrem um momento de disrupção por meio de algo que não é real, e atingem uma nova condição.”
“Feitiços” traz duas histórias, uma dentro da outra, começando por aquela da empresária Anna Szabel, irritada “pelos três pês”: pênis, política e patriarcado. Frustrada em casa, é pelo trabalho numa companhia de petróleo que Szabel se realiza odeia o Greenpeace e adora a boa vida que o gordo salário lhe proporciona.
Uma noite, a empresária entra em “transe sonambúlico” e sua vida vira de cabeça para baixo. É quando o realismo mágico se aprofunda e a verve ecofeminista do livro se revela pela história de mulheres que fazem amor com a Terra, deixando-se sugar pelas suas fendas.
“Isso não é piada, sabe? Há pessoas que se definem como ecossexuais. Você conhece Annie Sprinkle?”, pergunta Szpila, se referindo à sexóloga americana que cunhou o termo.
“Em resumo, é pensar no planeta como a Amante Terra, e não a Mãe Terra. Mães são pessoas que você pensa que devem tudo a você por causa dos seus traumas de infância, então você acha ok perfurar essa mãe em busca de petróleo e energia. Quando ela é uma amante, a relação fica mais equilibrada, suave e gentil. Aqui, você não tem mais direito de trazer sofrimento para o planeta.”
A história da segunda protagonista de “Feitiços”, Mathilde Spalt, que mistura feiticeiras e mulheres que gostam de montar com as pernas escarrapachadas em tudo que agrade seu corpo especialmente tocos de árvores, rizomas e musgos não desagradou à Igreja local, diz a autora.
“Mas minhas falas são citadas por homens de direita, que me ameaçam e me chamam de inimiga pública da Polônia. Claro que senti medo deles, mas também fico bem orgulhosa”, afirma.
“Ao criar essa história, me senti conectada a uma sociedade de espíritos ancestrais. Agora, quando participo de protestos feministas, ou pelos direitos das pessoas com deficiência, não vou mais como Agnieszka Szpila. Vou junto com todas elas, os fantasmas das mulheres que terminaram suas vidas queimadas em fogueiras ao longo da história.”
FEITIÇOS: FAZER AMOR COM ÁRVORES
– Preço R$ 94,90 (368 págs.); R$ 68,90 (ebook)
– Autoria Agnieszka Szpila
– Editora Todavia
– Tradução Milena Woitovicz Cardoso