BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Luiz Fernando Corrêa, que foi indicado por Lula (PT), prestou depoimento à Polícia Federal nesta quinta-feira (17) no âmbito de inquérito sobre a chamada “Abin paralela”, que investiga o suposto uso ilegal da agência no governo Jair Bolsonaro (PL).

O depoimento de Corrêa durou cerca de cinco horas. Também foi ouvido o ex-diretor-adjunto da Abin Alessandro Moretti, demitido por Lula em janeiro do ano passado.

A dupla foi intimada a dar explicações na iminência de um indiciamento pela PF. Antes dos depoimentos, investigadores já enxergavam elementos suficientes para implicar Corrêa e Moretti por obstrução de justiça, sob acusação de atrapalharem as investigações.

Politicamente, o possível indiciamento do chefe da inteligência de Lula cria um constrangimento para o governo federal e eleva a tensão entre a Abin e a PF, cujos diretores disputam poder nos bastidores desde a transição, em 2022.

A deflagração de um novo capítulo da disputa entre Corrêa e o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, também ampliaria pressão sobre o presidente, num momento em que o governo enfrenta outros temas espinhosos, como a reforma ministerial, cortes orçamentários e a articulação sobre o projeto de lei da anistia.

Lula estabeleceu como critério para sua equipe o afastamento de ministros que enfrentem denúncias da PGR (Procuradoria-Geral da República). Foi o caso de Juscelino Filho (Comunicações), acusado de corrupção. O presidente nunca fez menção a auxiliares que ocupam outros postos.

A conclusão da PF deve constar no relatório final das investigações sobre a “Abin paralela”, previsto para a próxima semana. As provas serão então analisadas pela PGR, a quem cabe decidir se oferece denúncia à Justiça, pede mais apurações ou arquiva o caso.

O episódio também pode expor ainda mais o Palácio do Planalto diante da revelação da suposta ação hacker da Abin contra autoridades paraguaias de alto escalão em meio a negociações sobre os valores pagos ao país vizinho pela energia elétrica da usina de Itaipu.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, o presidente Lula convocou Corrêa e o diretor-geral da PF após a revelação do caso. Segundo relatos, a audiência foi tensa e chegou a ser interpretada como uma acareação entre Corrêa e Rodrigues.

O possível indiciamento de Corrêa também eleva a temperatura na agência. Servidores da Abin avaliam divulgar uma nota pedindo ao presidente Lula a troca do diretor-geral -o que seria inédito.

Corrêa foi procurado após o depoimento desta quinta, mas não respondeu até a publicação deste texto.

Ao longo da apuração, a PF afirmou ter reunido depoimentos e provas documentais e técnicas que levantam a suspeita de que Corrêa e Moretti agiram para dificultar a apuração do caso -que teve origem no governo Bolsonaro. Investigadores apontam ainda que a Abin agiu fora da lei em suas atividades de inteligência.

A agência nega, afirmando ter colaborado no inquérito e atendido a todos os pedidos dos investigadores. Nos bastidores, afirma que a PF adotou uma linha distorcida na tentativa de desgastar politicamente a atual direção do órgão e forçar uma troca no comando.

A investigação teve como ponto de partida a revelação de que a Abin utilizou o software de espionagem FirstMile durante a gestão Bolsonaro para monitorar ilegalmente desafetos do governo. O inquérito para apurar o caso foi instaurado em março de 2023, já durante o mandato de Lula.

Um dos pontos levantados é a decisão, tomada pela direção da Abin em abril do ano passado, de formatar computadores usados durante a gestão Bolsonaro.

Em depoimento dado à Polícia Federal em dezembro, ao qual a reportagem teve acesso, um servidor da Abin afirmou ainda que a direção-geral da agência pediu para que ele mapeasse os computadores em que o FirstMile havia sido usado no governo Bolsonaro.

O oficial de inteligência disse que foram identificados cerca de 15 computadores, mas que “a direção-geral da Abin determinou que somente fossem encaminhados 5 (cinco) computadores” à PF. Questionado, ele disse não ter entendido “por que não foram enviadas todas as estações”.

Outro ponto apresentado foi uma reunião ocorrida em março de 2023 na qual Moretti teria afirmado que a apuração possuía “fundo político e iria passar”. Essa declaração foi interpretada pela PF como uma tentativa de minimizar a gravidade dos fatos e influenciar os investigados.

O depoimento que cita a frase, porém, não a atribui diretamente a Moretti, e sim à “direção-geral”. Na ocasião, a PF afirmava haver um possível “conluio de parte dos investigados com a atual alta gestão da Abin”.

A Intelis, associação que representa os servidores do órgão, tem feito duras críticas à PF. A associação condena o vazamento de dados sigilosos e diz haver a “ampliação indevida do escopo investigativo para temas fora da competência legal” da PF.

A associação também acusa a PF de ampliar o inquérito da “Abin paralela” para deslegitimar a atividade de inteligência e servir a interesses políticos.

“É inadmissível e nocivo aos propósitos de uma grande nação como o Brasil que uma campanha de descredibilização do seu serviço de Inteligência seja capitaneada, não por atores estrangeiros adversos, mas por grupos da própria administração pública nacional.”